segunda-feira, janeiro 29, 2007

Carta ao Procurador Geral da República sobre Aborto Clandestino

Ex.mº Senhor Procurador Geral da República

Venho por esta forma chamar a atenção de V. Ex.ª para um artigo de Francisco Almeida Leite publicado no Diário de Notícias de 26 de Janeiro de 2007. À semelhança de outros casos recentes em que declarações públicas sobre eventuais crimes levaram o Ministério Público a inquirir os seus autores sobre eventuais provas em sua posse (Carolina Salgado sobre o processo Apito Dourado, Paulo Morais sobre corrupção nas autarquias, etc.), julgo que também no presente caso a exactidão e fundamentação das declarações da Senhora ex-Deputada e ex-Eurodeputada Maria Belo ao jornalista Francisco Almeida Leite merece ser investigada e avaliada.

Tendo provavelmente prescrito os crimes que a própria confessa de prática de aborto clandestino no período entre 1976 e 1981, a declaração de conhecimento da existência de Clínicas de Aborto a funcionar actualmente no centro de Lisboa merece investigação na medida em que alegadamente ali seriam praticados abortos susceptíveis de invocação de “objecção de consciênciapor parte de médicos portugueses – informação que pode indiciar a prática de abortos fora do quadro legal português. Transcrevo a parte relevante das declarações da Sr.a ex-Deputada ao DN:

«[…] "a hipocrisia está toda no grande negócio das clínicas clandestinas". E faz revelações: "Sei de clínicas em Lisboa onde se fazem abortos e até se contrataram médicos espanhóis porque alguns portugueses invocaram objecção de consciência." Clínicas essas que "levam o dobro do que se paga em Espanha". »

No mesmo sentido destas declarações, podem encontrar-se outras da mesma ex-Deputada, citando o DN online de 12/01/2007, no endereço seguinte da Internet:

http://www.medicospelaescolha.pt/node/116.

«A psicanalista Maria Belo mostrou-se impiedosa: "Nãoninguém em Portugal da classe média/média-alta que tenha um filho sem querer. Há todas as condições para fazer um aborto em Portugal. É ir às clínicas no centro de Lisboa, propriedade de alguns médicos objectores de consciência, nas quais se fazem abortos pelo dobro do preço do que se pratica em Espanha. Eles não têm coragem de pôr a mão na massa, mas contratam médicos espanhóis para os realizarem."»

Tratando-se de declarações de uma antiga Deputada e Eurodeputada, penso que naturalmente estas nos devem merecer especial crédito. Confio na Justiça e na diligência de V. Ex.ª para o pronto e cabal esclarecimento destas declarações e de qualquer situação de prática criminosa que eventualmente lhes subjaza.

Com os mais respeitosos cumprimentos,
Luís Filipe Botelho Ribeiro


notas:
i) enviada por email a 26.01.2007

ii) posteriormente entregue em mão - carimbo de entrada na P.G.R. de dia 29.01.2007

iii) n. de entrada: 4818, segundo informação obtida telefonicamente a 4.04.2007 através do n. 213921900

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Análise do relatório APF / Consulmark sobre o aborto em Portugal

repost de http://vida-por-vida.blogspot.com

Vale bem a pena alguém dar-se ao trabalho de estudar o relatório apresentado pela APF em 13 Dezembro de 2006 na Maternidade Alfredo da Costa em Lisboa. Este relatório debruça-se sobre o estado do aborto em Portugal, e nele se encontram alguns elementos objectivos que contradizem frontalmente o argumentário pelo "sim". O relatório está publicado em http://www.apf.pt/activ/aborto_portugal.pdf e esperemos que não seja retirado para não prejudicar a campanha do "sim" (à cautela, já importei um exemplar para ter de reserva...)

Passemos a elencar apenas alguns:

- pág. 11 são consideradas duas bases: 1) as mulheres de 18 aos 49 anos e 2) as mulheres de 18 aos 49 anos que já engravidaram, sendo este um subconjunto do anterior, as percentagens relativas a esta base hão-de ser superiores. Não se compreende então que o estudo apresente uma estimativa para as viúvas que já abortaram de 26,8% relativamente à primeira base, bem superior à percentagem de 10,4% relativamente à segunda base supostamente considerada. O estudo parece pouco criterioso, pelo menos neste ponto. Que confiança podemos atribuir então aos restantes números?

- pág.13 se 2,5% das mulheres tivessem feito aborto repetido, então extrapolando para a população inteira (5.174.280 de mulheres, dados de 1998) teriamos então 129.357 mulheres que contrariam a argumento pró-aborto de que "nenhuma mulher praticará um aborto levianamente"; pelo menos será isso que se poderá dizer das 5.174 mulheres que supostamente teriam abortado 4 ou mais vezes, as quais dariam assim um claro sinal de encarar o aborto como um vulgar método contraceptivo; perante estes números, faremos à dignidade das mulheres portuguesas a justiça de considerar que os números não poderão deixar de estar empolados.

- pág. 17 deixando de lado os 2,5% casos "não se recorda", verifica-se que 26% dos abortos terão sido praticados para além das 10 semanas, o que é indicativo de que, admitindo o total (possivelmente muito empolado pela A.P.F.) de 17000 abortos/ano, continuarão a realizar-se 4.337 abortos clandestinos por ano em Portugal, mesmo com a vitória do "sim". A única solução para acabar com "os julgamentos e a humilhação", na óptica abortista, parece ser então alargar os prazos do aborto livre para mais de 30 semanas! Basta fazer algumas contas muito simples a partir da distribuição de percentagens dadas no relatório cujo "fitting" a uma progressão geométrica semanal de razão 0,87 é bastante exacto.

- pág. 18 verifica-se que 48,1% das mulheres deram como razão para o primeiro aborto o facto de não estarem a utilizar qualquer método contraceptivo; mas 46% de todas as inquiridas possuiam instrução secundária ou superior, não devendo por isso ser aqui invocada como razão a falta de informação ou cultura; Então, mesmo admitindo que as restantes 54% com instrução básica pudessem não estar suficientemente informadas (o que é tudo menos líquido), o aborto surge efectivamente como o primeiro método contraceptivo em pelo menos 22% das situações. É aceitável a generalização desta realidade com o aborto liberalizado?

- pág. 23 à questão "como é que avalia o local onde fez o aborto (suposto clandestino)" quanto a higiene, privacidade, conforto, localização, acolhimento, numa escala de 1 (muito negativo) a 4 (muito positivo), as classificações são de 3,44 - 3,39 - 3,29 - 3,22 e 3, 31, por aquela ordem. Isto significa que elas classificam massivamente as condições dos locais entre o positivo e o muito positivo; perde portanto consistência o chavão do "aborto em vão de escada em condições de higiene muito deficientes" que os pró-aborto apresentam como uma das grandes razões para a tentativa de liberalização do aborto. Esta indicação aparece confirmada na pág. 26 pela percentagem de 45% de médicos e 30,6% de parteiras, quando se pergunta pela classe profissional que realizou o aborto. A percentagem de "outro"ou "não sabe" reduz-se a 11,3%. Tudo isto contraria irremediavelmente as perspectivas de "melhoria das condições em que é realizado o aborto", apresentadas como grandes bandeiras pelo "sim".

Enfim, ainda só vamos na página 26 de um total de 45 e já podemos dizer tudo o que acima fica expresso. Deixo a outros a análise das últimas 20, que vistas de relance me pareceram igualmente significativas.

Estas primeiras me bastam para tirar já uma importante conclusão:
Se as condições já são hoje classificadas pelas próprias "utentes" entre o "positivo" e o "muito positivo" e se também não parece haver condições para acabar com os casos em tribunal sem que o prazo do aborto se alargue até mais de 30 semanas, então a única consequência real da liberalização do aborto será... que ele passe a ser pago por todos nós e não pelos e pelas interessadas, 48% das quais, conforme indica o estudo, nem sequer estão a tomar qualquer contraceptivo, conforme revela o estudo!!! Ou seja, apenas se dá uma mudança do pagador, assumindo o contribuinte em geral a responsabilidade pela... irresponsabilidade de algumas e alguns!

sábado, janeiro 06, 2007

RESUMO DO DEBATE NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

O texto seguinte é integralmente constituído por excertos respigados das declarações de voto dos Meretíssimos Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional português que em Lisboa, 15 de Novembro de 2006, pela margem mínima de sete votos contra seis aprovaram a realização de um novo referendo ao aborto e a formulação da respectiva pergunta.

O profundo estudo subjacente que se adivinha bem como a qualidade dos argumentos e do discurso elaborado merecem seguramente uma leitura atenta e demorada da versão integral, disponível no endereço electrónico:

http://w3.tribunalconstitucional.pt/acordaos/acordaos06/601-700/61706.htm

Sendo, porém, certo que a maior parte das pessoas não pode dispôr do tempo suficiente para tal leitura, decidiram os editores, conscientes da gravidade da decisão que os portugueses, ou uma limitada parte do seu universo, terá de tomar no dia 11 de Fevereiro, seleccionar as passagens mais significativas e ao mesmo tempo facilmente compreensíveis para o cidadão não-especializado na terminologia e argumentação jurídico-constitucional. O princípio de selecção dos excertos foi, por conseguinte, a sua compreensibilidade, clareza e eficácia argumentativa para o debate que o próximo referendo irá promover e enquadrar. Compreende-se facilmente que o sentido geral desta edição decorra necessariamente do sentido para que apontam as declarações de voto disponíveis. A grande conclusão da profusão e acutilância do argumentário laboriosamente construído pelos Meretíssimos Juízes resulta clara - a única escolha responsável e reponsabilizante para o Legislador e para a classe política em geral, precavendo irremediáveis consequências duma eventual liberalização do aborto a pedido, é o voto pelo NÃO.

Optámos por organizar as citações por temas e não por autor/Juíz por nos parecer que, com esta estrutura, o leitor poderia seguir e assimilar melhor a demonstração de que estamos perante:

A) Um dilema entre dois direitos fundamentais constitucionalmente garantidos e que no caso de uma hipotética vitória do “sim”, seria “resolvido” pela radical e injusta, porque injustificada, supressão de um deles, do mais forte e fundamental se houvesse que hierarquizá-los: a inviolabilidade da vida humana.

B) uma pergunta mal-formulada, com falhas graves de clareza, objectividade e precisão, passível de induzir o voto no “sim” ao referenciar realidades futuras ("estabelecimento de saúde legalmente autorizado") dependentes de uma vitória do “sim”;
- referência despropositada posto que o próposito do referendo é saber o que os cidadãos pensam 1) do aborto “a pedido” da mãe 2) até às 10 semanas de gestação e 3) pago pelos contribuintes; o referendo não deve decidir circunstâncias contingentes: onde, por quem, ou a que horas, em que dias da semana. Sem a parte final a pergunta era mais sintética, mais limpa e mais isenta;
-
referência desnecessária porque se se pretende combater o “aborto clandestino”, nunca se poderia permitir o aborto em estabelecimentos não-autorizados.

C) uma redução pouco ou nada inocente do universo eleitoral aos residentes em território nacional, impedindo-se assim de votar aqueles emigrantes que, residentes em países de aborto liberalizado até às x semanas, bem conhecem o nível de abuso a que aí se chegou, tendendo portanto a votar contra a repetição do mesmo erro pelo seu país de berço, pelo país em que foram concebidos e nasceram.

D) uma escolha entre a lei actualmente vigente de despenalização relativa/condicionada do aborto, sujeita a condições legalmente previstas, e a despenalização total ou liberalização até às 10 semanas.

Os editores saúdam as inteligentes e bem fundamentadas declarações apresentadas pelos Meretíssimos Juízes Conselheiros Rui Manuel Moura Ramos, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Paulo Mota Pinto, Benjamim Rodrigues, Mário José de Araújo Torres e Carlos Pamplona de Oliveira que, apesar de vencidos, contribuiram de forma notável e até corajosa para o prestígio da Justiça Portuguesa.

LUÍS BOTELHO RIBEIRO

VÍTOR EMANUEL PEREIRA

Paredes, 5 de Janeiro de 2007

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