quarta-feira, maio 31, 2006

proposta de reforma do sistema eleitoral para a Assembleia da República

contributo para a discussão da reforma do sistema eleitoral português (Assembleia da República)

O conjunto de ideias proposto visa contribuir para o debate da reforma do sistema eleitoral português, em especial para a Assembleia da República tendo presentes algumas das principais objecções à reivindicação de “plena democraticidade” dos seus principais intervenientes, arquitectos e/ou beneficiários. Do vasto conjunto de objecções destacaríamos as seguintes que nos parecem as mais graves:

i) o Estado de Desenvolvimento do nosso país, profundamente condicionado pelo modelo do sistema político e do Estado, é o indicador mais eloquente da necessidade de reforma daquele modelo e, entre outras, das leis eleitorais que lhe dão corpo;

ii) largos sectores da sociedade civil, i.e. dos cidadãos sem cargos políticos à sua responsabilidade directa, vêm progressivamente rejeitando o modo de exercício da sua (suposta) representação política, apercebendo-se da reduzida capacidade de participação nas discussões e tomadas de decisão e desinteressando-se mesmo dos actos eleitorais – entre estes, os mais jovens que em Portugal como noutros países ocidentais mais directamente sofrem na pela falta de capacidade de produção de soluções por poderes políticos que, com o voto aos 18 anos, só muito marginalmente logram condicionar;

iii) as barreiras à participação de cidadãos não organizados em partidos, por sua livre opção, dão ao anacrónico sistema um carácter de indisfarçável partidocracia


TENDO PRESENTES ESTES CONSIDERANDOS, PROPOMOS:

1. A admissibilidade de listas de cidadãos independentes propostas por um número de cidadãos eleitores calculado na base do mesmo critério definido para as eleiçõs autárquicas, agora aplicado ao universo dos eleitores inscritos no círculo eleitoral (do distrito)

2. O abandono puro e simples da exigência de certidão de capacidade eleitoral aos cidadãos proponentes de uma lista[1] ou, no mínimo, que se passe a permitir que tal certidão seja passada pelo serviço central competente (STAPE – Ministério da Administração Interna) e não pelas comissões recenseadores das juntas de (milhares de) freguesia(s).

3. Que a partir da data da marcação oficial de quaisquer eleições[2] sejam garantidas iguais oportunidades, tempos de cobertura ou espaço editorial em qualquer serviço público[3] de informação a todas as candidaturas, incluindo as promovidas por grupos de cidadãos independentes dos partidos;

4. Que no boletim de voto figure explicitamente uma opção de rejeição de todas as candidaturas[4];

5. Que o voto electrónico seja possível em qualquer mesa eleitoral do país;

6. A redução da idade de voto para os 16 anos;

7. Que a tomada de posse de qualquer cargo de eleição directa[5] ocorra dentro dum prazo máximo de três dias a contar da data de publicação oficial dos resultados;


proposta desenvolvida

Motivação

O espírito com que se abraça um novo projecto é talvez mais importante para definir o sentido que damos às nossas acções do que qualquer outra causa: a nossa preparação técnica, a quantidade de recursos disponíveis, a cultura em que vivemos.

Com que espírito pode um cidadão sem qualquer experiência legislativa ao nível da República abalançar-se a avançar algumas ideias para a reforma do sistema eleitoral do seu país? Sem outras experiências concretas de carácter vagamente constituinte para além da participação (empenhada, embora), na redacção dos estatutos da Universidade de Aveiro, de uma ou outra associação, na estruturação de um ou outro... sistema operativo para um sistema computador...

Penso e escrevo como aquele homem que se dispõe a fazer obras na casa onde vive e há já algum tempo sente e sofre o desconforto de uma arquitectura ultrapassada pelos tempos. Vejo-me na situação de alguém que, não ignorando a necessidade do arquitecto e do engenheiro, sabe que precisa de formar ele próprio uma ideia da casa futura a que o seu diálogo com os técnicos dará a melhor(?) tradução, tendo em vista a sua felicidade, a melhoria do seu conforto.

O meu espírito é então norteado por este desejo de contribuir para que as “obras” que, haja vontade, vierem a ser feitas na “Casa da República” a tornem mais habitável para os portugueses que, como eu próprio, aqui desejam viver.

Reflexão:

Olhando para os últimos trinta anos, sente-se que a actual “Casa da República” portuguesa foi (re)construída um pouco à pressa no fogo da excitação revolucionária. As sucessivas obras, de resto pouco espaçadas no tempo, além de alimentar uma pouco saudável ideia de precaridade e instabilidade do edifício, vão acrescentando um remendo aqui, cortando um excesso ali, mas sem conseguir atingir um estado em que se diga “agora sim, podemos tirar andaimes e tapumes para fruir realmente a casa”.

Cada vez mais se sente também que os arquitectos e construtores, habitantes da mesma casa em alas cada vez mais independentes e isoladas do resto, se preocupam desigualmente com o conforto e qualidade de vida no seu sector e no dos outros. A grossura das paredes de separação e o isolamento acústico (simbolizado pelo silênciamento do público nas “galerias”... da comunicação social de serviço “público”!) vão tornando cada vez mais difícil a comunicação, sobretudo a de sentido “ascendente”. Voltando à metáfora doméstica, tudo se passa como se os técnicos sentissem ser seu direito e dever assumir o controlo total da obra, mentalmente confortados pela ideia de assim estarem supostamente a defender o melhor interesse do “dono da obra”, limitando a entropia sempre resultante das suas “exigências absurdas”, sem conhecimento teórico ou “do que se faz lá fora”, sem perspectiva adequada, distanciamento crítico ou “visão de conjunto”, sem – sobretudo – o domínio da linguagem codificada que entretanto foram laboriosamente construindo como um impenetrável muro de defesa da sua nova oligocracia/plutocracia/partidocracia.

Porque se vai sentindo já que a “casa” é deles, eu gostaria de lembrar – a eles e a nós mesmos – que a República é nossa. Eis porque, como primeiro ponto da minha proposta, defenderei a possibilidade de apresentação de listas de cidadãos independentes nos círculos eleitorais para a Assembleia da República. Creio que o actual sistema definhou por falta de “concorrência” movida pela cidadania-pura à partidocracia; por isso e pela queda na “tentação” da auto-perpetuação no poder duma classe política parasitada de “lapas” e “velhas raposas”, perdeu vitalidade, dinamismo, impulso reformista e adesão a uma realidade a precisar rapidamente de sangue e ar novos. O país agita-se, a sociedade civil, inconformada, promove cada vez mais debates, encontros de reflexão cívica, e está mesmo a pontos de “impôr” ao Sistema um referendo ainda mais “hostil” (a este) do qualquer das OPAs em curso – um referendo à “procriação medicamente assistida” que prevaleça sobre a legislação apressada que os partidos se prepara(va)m para “cozinhar” entre eles no Parlamento.

Procuremos, pois, enunciar um conjunto de princípios que, a nosso ver, importará atender numa eventual revisão da Lei Eleitoral para a Assembleia da República, que procuraremos a seguir verter nas sete propostas concretas que submetemos a debate. Consideraremos cumprido o nosso papel com um tal enunciado, já que não será da nossa competência precipitar as propostas em articulado legislativo, ou submetê-la nós mesmos a uma análise comparitiva com legislação estrangeira que a outros encontrará seguramente em muito melhores condições para empreender que as nossas.

Um parlamento em que os deputados falam pelos eleitores que neles votaram deve ter na sua arquitectura uma especial atenção às garantias de representatividade e pluralismo. Tal arquitectura será tanto mais perfeita e estável quanto a sabedoria do “arquitecto” haja conseguido torná-la auto-correctora de eventuais “desvarios” dos actores e líderes políticos dum determinado momento.

Não nos parece possível garantir uma representatividade perfeita, nem é razoável pedir-se que todas as dimensões sociais da actividade humana tenham por força de compôr os parlamentos na exacta proporção em que existem nas sociedades. A título de exemplo, não nos parece especialmente grave que as percentagens existentes na câmara parlamentar de filatelistas, agentes policiais ou adeptos do Vitória de Guimarães não correspondam às verificadas na sociedade portuguesa deste momento. “Hobbies”, profissões ou paixões clubísticas deveriam, em princípio, ser critérios menores naescolha dos “deputados da nação”. Já a representatividade territorial, pelo contrário, talvez até com descriminação positiva das regiões menos afortunadas, a representatividade social, das diversas “classes” e grupos sociais do mundo rural, dos serviços, da indústria, das mulheres, dos artistas, da juventude, da geração sénior, etc., a par da representatividade ideológica, de quem defende diferentes modelos de sociedade ou, simplesmente, diferentes modalidades de participação cívica (não forçosamente enquadrada por partidos políticos), deveriam constituir uma preocupação central do arquitecto do sistema eleitoral.

Quem garante hoje a representatividade de uma lista que se apresenta a uma eleição à Assembleia da República? O presidente da comissão política do partido, depois de mil manobras, pressões, chantagens e ultimatos? Os presidentes das comissões distritais, que acabam de ver as suas listas invadidas por “paraquedistas” de Lisboa para os lugares elegíveis? Os cabeças de lista, que porventura pouquíssima influência tiveram na sua elaboração? Os mandatários, figuras decorativas e simbólicas para o acto formal de apresentação da lista no tribunal? Ninguém garante o que quer que seja. A maior parte dos nomes acabará por ser completamente estranha aos eleitores que neles votarão.

Bastaria que o cidadão comum se indignasse perante a facilidade com que alegremente se subverte o tal princípio formalmente vigente da “representatividade territorial”, para que a sociedade portuguesa tomasse enfim consciência da capacidade de perversão do sistema pelos actuais políticos portugueses face à “cândida ingenuidade” do arquitecto – eles próprios. Mas para que esta denúncia ecoasse, seria igualmente preciso romper o muro de silêncio da tele-imprensa vigiada do regime…

Lembro-me de ver comentada na imprensa regional a saga de uma candidata posicionada inicialmente em 8º lugar (claramente elegível) na lista apresentada pela sua distrital aos orgãos nacionais, a qual depois da primeira injecção de “figuras nacionais com ligação ao distrito” desceu para 13º lugar, indo finalmente parar a 21º ou 22º (não tendo então sido eleita) após o “rateio” de lugares para este a quem faltava um mandato mais para a reforma, aqueles dois em situação de pré-desemprego, e mais aqueloutros amigos de cumplicidades firmadas nas diáfanas tertúlias... de Elvas.

Até para substituir a Segurança Social o Parlamento serve? Então como estranhar o seu desprestígio? Que autonomia de intervenção terá um tal favorecido diante do “magistério de influência” do seu padrinho protector? E será que tal decorre da necessidade de assegurar alguma “disciplina de voto”? Mas se tal figura está regimentalmente consagrada não nos parece que esta seja uma via correcta, legítima ou sequer necessária para assegurar a coesão das bancadas em assuntos vitais. Por aqui só vai quem está interessado em estabelecer uma situação de completa submissão mental e pessoal, criando um estado de verdadeira “escravatura política” em pleno coração daquela que deveria ser uma Casa de Homens Plenamente Livres. Como pode o sistema arrogar-se em garante da liberdade de expressão na sociedade pós-25 de Abril, quando assim a coarcta no seu próprio Parlamento? Que eficácia têm as muito badaladas imunidades perante um padrinho que dum momento para o outro pode retaliar um “voto em consciência” ventilando para a imprensa a razão pela qual fulano integrou indevidamente as listas para o Parlamento?

E ainda fica por analisar com o merecido cuidado a questão da representatividade intra-círculo. O actual sistema propicia que os círculos sejam vistos como uma “massa uniforme”, sem regiões com identidades e problemáticas diferenciadas. A ordem “natural” das coisas leva a que, na prática, as listas sejam “cozinhadas” na e para a capital do distrito, acabando por pecar bastante contra o princípio de representatividade territorial que, aplicado na grelha nacional, lhes garante afinal X lugares.

Que força poderá obrigar os decisores distritais a aplicar o mesmo princípio se, com todos os partidos regidos pela mesma lógica, aos cidadãos fôr negada a possibilidade de se organizarem eles próprios e concorrerem a disputar a representação aos “filhos do sistema” e expôr no debate tantos dos seus vícios acumulados? Veja-se a situação seguinte que pretende ilustar esta subversão do princípio democrático já tão habitual entre nós:







Os líderes, na capital do círculo eleitoral (A), escolhem ente si a lista de candidatos deixando sub-representada a maioria dos cidadãos de fora da capital (região B). Escudados nos regulamentos, que lhes conferem um tal poder (e arbitrariedade), e no controlo centralizado da informação que dificulta aos cidadãos em (B) a tomada de consciência de corpo e da situação de facto da sub-representação, no actual sistema só resta aos cidadãos de B esperar que não os obriguem a “vir para a rua gritar” ou concluir que “é já tempo de arranjar a trouxa e zarpar”.

Alguns entendem que a solução passaria necessariamente pela criação de círculos mais pequenos, por círculos uni-nominais no limite. Porém, como é sabido, a redução dos círculos tende a dificultar a representação das perspectivas e projectos minoritários nos parlamentos, penalizando assim imediatamente o pluralismos democrático que enriquece o debate e a própria vida parlamentar. A razão impõe-nos portanto limites a esta via de busca duma resposta.

Uma outra solução poderá talvez ser encontrada nos méritos intrínsecos da modalidade de abertura democrática que propusemos (com listas apartidárias), se se atender devidamente à componente mediática, especialmente no tocante ao serviço público, obrigando-se este a divulgar também os projectos cívicos independentes e o respectivo pensamento inspirador.

Tais candidaturas independentes devem ser pré-formalizadas pelos promotores junto do órgão competente - Tribunal Constitucional – após a data de marcação das eleições, para se estabelecer um vínculo de compromisso entre o movimento e o Estado, que fundamentará o direito de intervenção desde logo na ágora de serviço público televisivo e rádiofónico, proporcionado ao peso do círculo no todo nacional.

Entretanto decorerá uma fase de recolha das propostas de candidatura (assinaturas). A extrapolação do critério numérico aplicado nas eleições autárquicas ( n / 3m ) para o nível distrital, com m igual ao número de deputados a eleger, daria um número absolutamente proibitivo. Dando como exemplo o distrito do Porto teríamos n igual a 1.462.185 eleitores inscritos e m igual a 38 deputados eleitos, donde o resultado seria de 4.275 assinaturas, ou seja, para um grupo de cidadãos de um distrito propôr uma lista para um único acto eleitoral num único distrito, seria necessário mobilizar mais de metade dos apoios que necessários à criação dum novo partido nacional!!! Isto parece-nos absurdo na medida em que praticamente elimina qualquer possibilidade de intervenção cívica fora dos partidos, exactamente a tal entidade em crise para além da qual se tem repetidamente afirmado que há vida política (cf. Manuel Alegre - presidenciais 2006). Parece-nos por isso mais razoável tomar como referência o número de eleitores necessário para criar um partido nacional (7.500) e tomar a fracção correspondente ao peso do círculo no universo eleitoral nacional (8.944.508). Aplicando este critério ao distrito do Porto seriam necessárias 7500 x 1.462.185 / 8.944.508, ou seja, cerca de 1.226 assinaturas. Este resultado já seria um número aceitável, dentro da lógica duma democracia aberta aos cidadãos, infelizmente ainda distante.

O que acima de tudo não se devia permitir é a continuidade da subversão do princípio democrático que confere tanto peso ao acto (não-democrático) da escolha das listas de candidatos pelas burocracias partidárias, pré-formatando e retirando efeitos ao acto verdadeiramente democrático que é o voto dos cidadãos no dia das eleições, às quais já só chega um leque de escolhas muito empobrecido, ao que o “colégio eleitoral” responde com o aumento da abstenção e o generalizado desencanto com o regime. O povo, desta forma, já não escolhe verdadeiramente, elege nomes que dois ou três homens escolheram. Em última análise quase se trata duma ratificação. Bastante razão tinha aquele observador inglês, crítico da nossa “democracia”, ao escrever numa polémica qualquer coisa como isto: «vocês votam em pessoas que não sabem quem são, o que pensam, o que fazem ou fizeram, que alguém escolheu por vós; não sabem como pedir-lhes contas directamente ou como pressionar os vossos representantes no sentido do bem comum; permitem o escândalo das pseudo-imunidades criminais dos parlamentares, o seu absentismo às sessões, as viagens-fantasma para trabalho político com ajudas de custo sem exigência de documento justificativo»…

Se, por outro lado, não queremos ver entre nós uma realidade de “proximidade” entre eleitores e eleitos semelhante à dum país latino-americano onde recentemente vimos um deputado intensamente assediado pelos seus “eleitores” (que até tinham o seu número de telemóvel...) para lhes arranjar empregos públicos, então teremos de procurar uma solução equilibrada, não-demagógica e adaptada à nossa realidade cultural. Daí que não nos pareça que o problema da representatividade se reduza à questão da proximidade entre eleitores e eleitos, como mostra o exemplo. Se num dado meio o deputado até pode publicitar o seu número de telefone, moderadamente seguro de que os eleitores saberão usá-lo com correcção, pertinência e responsabilidade, iso não significa que a mesma postura tenha em Portugal os resultados desejados. Já o email, contacto pessoal e alguns dados da situação (regime de exclusividade, assiduidade, histórico do voto e intervenções parlamentares) dos deputados do nosso círculo eleitoral deveriam estar afixados na internet para um fácil escrutínio pelos cidadãos e pela imprensa livre.

Os partidos poderiam, se quisessem, criar o equivalente actualizado da “ala liberal”, com candidatos independentes de mandato não-renovável (como acontece com os membros da nova ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social), e que actuassem no parlamento como uma espécie de provedores da sociedade civil não-partidarizada, trazendo ao debate uma consciência e uma voz construtivamente crítica, capazes de renovar o que o sistema, até aqui, por si só se tem revelado incapaz de fazer: uma abertura como aquela (ao menos) tentada pela “primavera marcelista”, na fase final do regime anterior. Ou estará este regime já mais crispado, enquistado e fechado que o Estado Novo, embora... ainda com bem menos tempo de vigência? Para isto, como para muito do que há para fazer, não era preciso mudar leis ou regimentos: bastaria um pouco de vontade sincera e consequente, coisa de que não se pode já estar certo de poder esperar.

A nossa proposta 2, de abandono da necessidade de exigência da certidão de capacidade eleitoral, é por nós fundamentada em nome dum princípio desburocratizador e também de bom-senso, já que existem do lado do Estado todos os elementos necessários à verificação da validade das assinaturas da propositura duma lista.

A proposta 3 pretende que seja explicitado e tornado efectivo o princípio da igualdade de tratamento mediático desde o início entre pré-candidaturas, condição sem a qual a “arbitrariedade jornalística” acaba por funcionar no sentido de favorecer a manutenção no poder dos “mais conhecidos”, critério democraticamente inválido e cristalizante duma realidade que ganharíamos todos em conseguir tornar mais dinâmica.

A proposta 4 aprofunda o princípio da Vontade Geral que um acto eleitoral ou referendário supostamente visa apurar. Nesse sentido, é importante permitir a explicitação também duma posição possível de rejeição do conjunto, minimizando-se igualmente a possibilidade de adulteração de um voto em branco, de resto permitindo ele próprio múltiplas interpretações, algumas civicamente improcedentes.

A proposta 5 visa aprofundar o princípio da universalidade do voto... libertando o eleitor dum constrangimento geográfico que por vezes colide com a elevada mobilidade da vida actual. Uma democracia que se preocupa com a participação do cidadão deve facilitar e não entravar o acesso àquele que é o acto mais crítico e decisivo da vida cívica: o voto. Se as tecnologias já o permitem, se o desenvolvimento ainda necessário pode contribuir para consolidar competências e conhecimento nacional, fomentando iniciativas empresariais jovens, o Estado tudo deve fazer nesse sentido.

A proposta 6 solidariza-se como uma campanha já em curso e particularmente activa na internet, a qual tem como ponto de partida o absurdo de um cidadão ser imputável e poder assumir um amplo conjunto de responsabilidades a partir dos 16 anos, de poder trabalhar, descontar e contribuir como qualquer outro cidadão mas... não poder votar e, com isso, influenciar as decisões e as políticas dum governo que gere o seu dinheiro também. Por outro lado, um país que, como outros, se debate com o envelhecimento da população, só tem a ganhar com esta pequena medida compensatória para uma faixa geracional muito lembrada nos discursos mas... penalizada pelas políticas e pelo mercado – sendo igualmente a mais afectado pelo desemprego.

Finalmente a proposta 7 pretende uma aproximação à prática seguida em países anglo-saxónicos por se considerar que a coisa pública deve ser gerida com transparência e lisura tais que em qualquer momento as pastas possam mudar tranquilamente de mãos sem necessidade de uma prévia triagem de documentos a eliminar. O trabalho de escolha de equipes tem de estar feito durante a campanha eleitoral e deve inclusivé ser revelado ao eleitor antes do voto. Não se vislumbra qualquer vantagem na longa e penosa novela do jogo de convites nos bastidores após a vitória eleitoral, e do esquecimento de algumas figuras de mero cartaz durante a fase de “sapa” através do “governo-sombra” na travessia do deserto da oposição.

Conclusão:

Apresentámos um conjunto de ideias despretenciosas na medida em que, se por um lado duvidamos da vontade real do regime actual para se reformar naturalmente, por outro lado também ninguém pode ter uma plena certeza de que as suas propostas bastariam para uma regeneração da Democracia parlamentar em Portugal.

Mesmo assim, acreditamos que é possível que algum fruto possa ser colhido do confronto destas propostas de um engenheiro e professor de engenharia com outras nascidas da experiência de outros percursos de vida e diferentes visões profissionais. Talvez seja chegado o momento de abrir o edifício legislativo a outras influências, não necessáriamente jurídicas, que lhe possam emprestar um pouco mais da racionalidade, solidez, eficácia, justiça, força dinamizadora e virtude anímica de que, neste momento, parece tão carente.



[1] Tal solução deveria igualmente ser adoptada para outras eleições em que tal certidão é exigida: autárquicas e presidenciais;

[2] Incluindo as autárquicas e presidenciais;

[3] Extensão simples do princípio que já vigora para a cobertura noticiosa das candidaturas promovidas por partidos;

[4] De significado político equivalente ao actual voto branco, menos susceptível de adulteração e passível de ter tradução em não-mandatos, ou seja em lugares vazios no hemiciclo.

[5] Deputados nacionais ou autárquicos, Presidente da República, etc. Cargos que suponham a formulação e aceitação de convites, como executivos municipais ou um governo, não terão um prazo pré-determinado;