quinta-feira, novembro 30, 2006

Referendo ao aborto

O Presidente marcou, está marcado!

Mas... também podia ter decidido ao contrário, não marcando o referendo ou não o marcando para já. Podia inclusive explicitar algumas condições a verificar no futuro para, enfim, marcar uma consulta. Há um conjunto importante de circunstâncias que podiam muito bem ser invocadas pelo Presidente para uma decisão diferente daquela que tomou.

- Não se conhece o texto do decreto-lei que os abortistas farão aprovar em caso de vitória. Quererão eles um cheque em branco dos cidadãos?

- Havia o respaldo de decisões semelhantes do anterior presidente em matérias afins para as quais o Dr. Jorge Sampaio considerou ter havido insuficiente discussão pública prévia. Já houve suficiente discussão prévia neste caso, envolvendo a sociedade civil?

- Existem respeitáveis imperativos da sua consciência cristã, do total conhecimento dos eleitores que o mandataram com uma percentagem de votação acima de 50% logo à primeira volta, logo com uma legitimidade democrática superior até à do próprio governo. Com uma base eleitoral tão expressiva, está perfeitamente à vontade para se opor à liberalização do aborto pelo governo ou pela Assembleia e, no limite, se assim entender, chegar mesmo a não ratificar o diploma, como fez Lech Walesa na Polónia. Politicamente, seria contudo mais aceitável um adiamento do referendo do que, no futuro, a não-ratificação dum eventual resultado adverso do referendo, caso este tenha carácter vinculativo (como possivelmente não terá);

- O Sr. Presidente podia exigir aos políticos que fizessem primeiro as reformas (difícieis) que nos coloquem enfim numa rota de desenvolvimento, em vez de - uma vez mais - se porem a empatar o país com "provocações" (fáceis) para exaltar ânimos e paixões;

- O Sr. Presidente da República podia mesmo advertir sabia e presidencialmente que esta é reconhecidamente uma discussão fracturante. Esta questão pode dividir o país a meio precisamente na altura mais crítica em que é precisa uma ampla união de esforços para enfrentar com sucesso os desafios que se deparam aos portugueses - união de que tem sido evidente sinal a "colaboração estratégica" do Presidente de centro-direita com o Governo de centro-esquerda;

- Poderia, finalmente, exigir que o governo esgotasse primeiro outras alternativas; que lançasse políticas de prevenção do aborto, de apoio às mães solteiras, às famílias, em vez de deixar tudo como está e ficar-se a clamar hipocritamente contra as condições do aborto clandestino como se não tivesse nada a ver com a situação;

Como se tudo isto não bastasse, foram patentes e numerosas as atitudes de desrespeito pelo período de reflexão do Presidente, por parte de numerosos intervenientes. Até a insuspeita Comissão Nacional de Eleições decidiu colocar informação de apoio ao processo de constituição de listas no seu sítio www.cne.pt - sem a devida ressalva da decisão presidencial. Um Presidente não pode tomar posições movido por despeito. Não deve mesmo deixar-se condicionar por ele, num sentido ou... no outro. Mas também é verdade que um Presidente tem uma autoridade que legitimamente pode e deve vincar, explicitar, lembrar. Isto se a tem deveras! Parece que neste caso, essa autoridade sai um pouco ferida.

A ver vamos o que nos reserva o futuro. Veremos que frutos o empenho do nosso esforço e coragem nos permitirá colher na noite do dia 11 de Fevereiro, dia de N. S.ª de Lourdes. Uma nação empenhada em dar as boas-vindas a todos os seus filhos ou... a república do aborto?