Com o advento da república em 1910 e a subsistência dos problemas estruturais e o agravamento de algumas dificuldades conjunturais, os portugueses terão adquirido uma mais clara noção de que a solução para os seus problemas não passa pela adopção, sem mais, do "melhor (e miraculoso?) regime para o país". Isso não impede que ele de facto possa existir e ser encontrado em cada época.
Nos últimos anos, poucas vezes o belo busto feminino da república terá sido tão tristemente arrastado na lama como nesta situação - mais grave pelo seu aspecto simbólico do que por eventuais danos práticos. Falamos do caso do ex-ministro Pina Moura quando este invocava a "moral republicana" para justificar a sua acumulação de funções parlamentares com as funções de direcção do ramo português de um banco espanhol. Disse então - sem despertar qualquer eco de protestos dos "velhos republicanos" - que a Ética republicana era simplesmente a ética da Lei - para significar, assim, que tudo aquilo que a lei explicitamente não condena deve ser considerado aceitável. Ignorou-se, com ligeireza, que essa mesma lei-conveniente para a classe política republicana (que a aprovou) também pode ser uma lei "intencionalmente imperfeita". E com isso se desbarata o principal capital da democracia que é (ou era) a confiança entre os eleitores portugueses e os seus representantes. Esperar-se-ia que, perante casos como aquele, viessem a terreiro exigir maior respeito pela república aqueles que melhor ou pior se vão assumindo como "guardiões" do ideal republicano. Tal não aconteceu, ou disso não deu eco a imprensa do regime! No recente programa "prós & contras" de 10 de Março, não esteve o Presidente da República... mas o Grão-Mestre da loja do Grande Oriente Lusitano, o qual, aliás, foi um digno paladino da ideia republicana, personificando em determinados momentos mais tensos... essa virtude (apenas?) republicana da tolerância.
Do lado monárquico, esteve Paulo Teixeira Pinto - com uma postura muito digna e serena, embora ficasse uma impressão estranha em ver entregue a defesa da "opção emocional" a alguém tão conhecido como administrador bancário e, supostamente, um campeão da racionalidade... financeira. Televisão à parte, verifica-se amiúde que a defesa do "ideal monárquico" se encontra em larguíssima medida confiado às "antigas famílias". Ora isto pode ser indicativo de tudo menos da presença de um verdadeiro e puro Ideal - e sim de um possível interesse directo naquele regime em que as linhagens se possam substituir ao mérito como critério de escolha e ascensão social. Por outro lado, nem sempre a correcção no manejo da língua é aquilo que se esperaria de "conservadores" e cultores da respectiva pureza. Em sua defesa, porém, alega-se que o "fecho de abóbada" do sistema político deve ser incarnado por alguém que, sendo certo que não ascendeu ao cargo por outros méritos que não os do berço (se é que o são...) nem pode ser deposto/confirmado por eleições, pelo menos tem-se por garantido (terá sempre?) que não ascendeu por compadrio, maquinação ou obscura negociação política. Conceda-se até que tal figura, cabeça de uma "república com Rei" como defendia Agostinho da Silva, pudesse enfim defender e estimular todos aqueles que nas instituições públicas ainda resistem à onda laxista e corruptora.
Feitos estes considerandos, vamos deixar aqui algumas questões à reflexão interna e ao diálogo entre os dois campos na esperança de que um tal diálogo possa contribuir para a regeneração do actual regime político em Portugal. Talvez não exageremos ao manifestar a nossa convicção de que nenhum verdadeiro republicano consciente se poderá considerar satisfeito com o quadro que a realidade actual da república portuguesa lhe apresenta; da mesma forma como muitos monárquicos íntegros lastimavam o estado a que chegara a política nos anos que antecederam o 5 de Outubro.
Questões à República
- É a República compatível com a ocupação tão prolongada de cargos locais, regionais e nacionais como vemos ou vimos acontecer com Fidel Castro, Salazar, Tito, Alberto João Jardim, Mesquita Machado, Isaltino Morais, Avelino Ferreira Torres?
- Como pode a República manter a soberania herdada quando se recusa a referendar o Tratado de Lisboa, receando talvez a reprovação popular da sua preferência por um certo "internacionalismo" que corre com a mesma pressa a entregar Angola, Moçambique... a agricultura portuguesa ou a zona económica exclusiva?
- Porque receou a república, contra a inclinação de tantos ilustres republicanos como Guerra Junqueiro, manter a bandeira portuguesa de sempre, impondo como bandeira de todo o país... a bandeira do partido, ou seja, de uma parte? Não bastaria, como nos edifícios públicos, retirar a coroa de cima do escudo?
- Como se justifica a subsistência de tanta "hereditariedade" na actual partidocracia republicana?
- Como se pode a república auto-proclamar como o regime em que "qualquer cidadão pode tornar-se chefe de Estado" e depois pactua com a eliminação de personalidades do espaço de debate no serviço público de televisão (pública e republicana) durante a pré-campanha eleitoral?
- O anterior Presidente da República, Jorge Sampaio, desencadeou, no entender de muitos observadores, quase um "golpe de Estado constitucional" contra um governo com maioria absoluta no parlamento... ajudando o seu partido (PS) a regressar ao poder. É isto a república?
- De que forma se conservam (melhor) em República os valores fundamentais de uma sociedade, de uma nação - os seus critérios éticos, o seu impulso solidário, a sua língua, as tradições e cultura do povo e - porque não - das principais instituições nacionais (cavalo lusitano, arte equestre, fado / música e poesia popular, solidariedade inter-geracional, ...)?
Questões à Monarquia
- A identificação da monarquia - ou do Rei - com "o povo" será assim tão endémica ou...epidérmica? Afinal não andaram as princesas herdeiras de Portugal a casar sistematicamente com herdeiros... castelhanos, pondo em causa e uma vez perdendo mesmo a independência? Afinal nem na nobreza, nem no povo (o clero estava naturalmente excluído da escolha) havia sangue com qualidade para assegurar a continuidade e qualidade da linhagem?
- E para lá das estratégias matrimoniais, mesmo na vivência quotidiana não se praticou em tantas cortes a "traição" cultural ao "seu povo"? Na corte imperial de Viena seguia-se durante certo período a etiqueta espanhola e falava-se a língua de Cervantes, como explicam os guias aos Paços da Imperatriz Austro-Húngara Maria Teresa - nem alemão nem húngaro, afinal... Onde a ligação... ao povo?
- E se na sucessão dinástica nos calhasse um pobre incapaz (como já aconteceu, porventura) e que, ao contrário da república, tivessemos de "gramar" a vida toda? Como se poderia o povo ver livre disso sem uma guerra civil como as que tivemos nas épocas de Sancho II, Afonso III, regente D. Pedro, Afonso VI, Miguel I, etc.
- Se é certo que "perdemos" em república a administração e a confiança das populações de territórios extensos como Angola e Moçambique, em monarquia não perdemos também o imenso Brasil e essa Olivença que ainda hoje não reconhecemos como parte de Espanha? O que fizemos de errado como povo, e qual a parte do regime político nestes desfechos de concordante efeito prático?
- A quem interessa afinal a monarquia? Ao povo ou... ao pretendente à coroa e à interminável comitiva de "nobres" de pergaminhos adquiridos no campo de batalha ou aos balcões "do tesouro" na agonia da 4ª dinastia? Pensarão hoje os portugueses que "já basta de meritocracia" ou, ao contrário, que a doença da política é em grande medida devida à degradação qualitativa das elites dirigentes? Acreditamos nós que algum contributo para uma solução poderia vir da revalorização dos... "méritos de nascimento"?
- Outra coisa estranha é a insistência na figura de D. Duarte como herdeiro da coroa portuguesa, quando por outro lado se aponta em abono da tradição monárquica portuguesa o facto de esta ser na letra e, em certos momentos decisivos, também na prática electiva. As cortes de Coimbra não votaram afinal a favor do pretendente (menos "legítimo" segundo o sangue) que melhor garantia a conservação da soberania? Não seria mais inteligente em vez de se afadigar em projector D. Duarte como "o homem certo", não o sendo provavelmente para o Portugal de hoje, procurar antes identificar a figura que, dentro do campo monárquico, melhor pudesse servir Portugal como fiel dos frágeis equilíbrios do sistema político? Não é afinal o "bem de Portugal" e não o "bem do partido (monárquico)" o comum critério fundamental? Ao que parece, ainda "andam por aí" representantes do ramo de D. Miguel.
- E não seria este hiato de um século de república uma oportunidade para o campo monárquico se repensar a si mesmo e repensar Portugal? E se foi devidamente aproveitada esta oportunidade, onde está publicada essa proposta de um novo Portugal voltado para o futuro, merecedor da confiança e preferência dos cidadãos? Qual a credibilidade da pretensão de liderança de um Povo no séc. XXI por uma família real que ao longo dos séculos aprendeu a fazer política em regime absolutista (o tal que Salazar teria preferido...) e sem capacidade para se afirmar minimamente no terreno aberto da política democrática? Mal por mal, porventura seria até preferível entregar a coroa portuguesa ao ramo de D. Sebastião que se calhar também já por aí andará também... a vender carpetes de Marrocos. Vemos nisso, pelo menos, uma vantagem. Além do enorme capital de confiança acumulado junto do povo, que tanto acreditou e esperou o seu "Desejado" durante estes longos 430 anos, o "nosso Rei" teria uma outra qualidade nada desprezível: a de saber o que custa a vida, de conhecer o valor do trabalho.
1 comentário:
http://cigalhos.blogspot.com/2008/05/repblica-versus-monarquia.html
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