Se Portugal fosse um desses países em que está tudo a funcionar quase perfeitamente, em que a normalidade democrática é reflexo, causa e efeito de um processo de desenvolvimento bem conduzido, numa atmosfera de harmonia e boa colaboração entre o país político e a sociedade civil, entendia-se. Não sendo, bem longe disso, não se compreende como estamos ainda à espera de que o novo Presidente da República tome posse.Já quase nos esquecemos da eleição presidencial, há tanto tempo ela já foi. 22 de Janeiro vai tão longe, parece já do século passado, tanta coisa ocorreu desde então. A gripe das aves avança para ocidente, a crise das caricaturas incendeia o oriente, o Dr. Jorge Sampaio visitou a meia dúzia de concelhos que lhe faltavam, já com a cara triste dum ex-presidente acentuada por aquele espectáculo deprimente do "esconde-esconde" com os Canenses(?) e nós perguntamo-nos todos: é este o nosso presidente? Não escolhemos já outro? Por que demora quase mês e meio uma transição destas? Para o antigo presidente ter tempo de se despedir de toda a gente? Mas ele não vai também continuar "a andar por aí"? Ou pensará meter-se em casa para não dar de caras com outro político que também "anda por aí" há um ano às voltas com uma digestão difícil?...Era bem preferível uma transição "à inglesa", em que o primeiro-ministro eleito toma posse do número 10 logo no dia seguinte à eleição. O antecessor só deve ter mesmo tempo de juntar os trapos, guardar a escolva de dentes e fazer as malas. Nenhum tempo para queimar papeis, documentos comprometedores, ir a Timor e sabe-se lá mais aonde, mostrar como o diabo do défice público não é tão feio como o pintam...Compreende-se melhor agora que a falta de democraticidade do processo eleitoral, em que uns podem falar e apresentar-se aos cidadãos e outros (quase) não, não era uma pequena ilha isolada. Há mais - há todo o povo português que há um mês que tem um presidente-eleito mas tem de "gramar" com o antigo ainda mais vinte dias... E não é que me incomodem muito as figuras alegres ou tristes que vá fazendo, ou que "estoure" o orçamento da presidência para este ano. Preocupa-me mais que, mantendo-se em funções, possa vetar ou promulgar decretos já com a sua legitimidade, pelo menos moralmente, completamente esboroada. É como se neste momento conflituassem duas maiorias presidencias: uma com cinco anos e outra com um mês. Mas, coisa absurda, a mais recente é que cede prioridade à antiga! E se, para não ser acusado de desrespeito ao novo Presidente-eleito, o quase-ex-Presidente optar por não promulgar coisa nenhuma e deixar empilhar os decretos em cima da secretária para o sucessor despachar ou, pior ainda, mandar tudo para o Tribunal Constitucional, então é o nosso país que está como que em situação de "governo de gestão".Isto é muito perigoso, democraticamente, porque é nestas situações que as pessoas se apercebem que os seus políticos não fazem muita falta. Isto digo porque tudo continua a funcionar normalmente - o desemprego a subir normalmente, as filas de espera a crescer normalmente, etc... só a gasolina e os impostos é que porventura deixam de subir normalmente, com o governo a meio gás. Talvez por isso alguns povos do mundo tenham por bom hábito dar aos seus políticos férias prolongadas...Depois de tanto "cascar", vejo-me certamente na obrigação de propôr uma alternativa que funcione e não viole a lei. Fui ver... não, não foi a neve da balada de Augusto Gil. Fui ver a dita Lei e ela "diz" que o mandato é de cinco anos. Ora como o mandato começou a 9 de Março de 2001 (ninguém deve ter dado fé do acto, com o país em estado de choque com a maior "prenda" que a classe política acabava de lhe dar a 4 de Março de 2001... em Entre-os-Rios), parece que os cinco anos terminam a 9 de Março de 2006. Mas já vimos como os prazos têm uma interpretação constitucional muito livre - alguns pré-candidatos presidenciais terão mesmo sido excluídos da última eleição por prazos de 48 horas (dois dias) que na prática são reduzidos para 43 horas. Mantendo a proporção, parece que não haveria qualquer escândalo se o Tribunal Constitucional entendesse que aqueles cinco anos podiam ser encurtados em seis meses. Daí que no T.C. não teriam provavelmente tevantado grandes objecções a um encurtamento do mandato em apenas mês e meio, permitindo assim que o novo Presidente fosse empossado... mal os resultados oficiais fossem publicados. Como foram publicados a sete de Fevereiro, tomava posse logo a oito.
E assim poupavam-nos a maçada de assistir, uma vez mais, ao discurso retórico da "aposta nas tecnologias e na inovação" (sem consequências práticas que se vejam, quando o próprio Estado foge de comprar tecnologia portuguesa) , o discurso cinzento proferido no encontro das três Cotec e à triste agonia de um mandato presidencial que, não fora o museu da Presidência da República, depressa esqueceria.
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