sexta-feira, março 14, 2008

palavra de Presidente

Palavra de Presidente é para ser escutada e ter consequências. Foi com muito gosto que seguimos as intervenções recentes do Sr. Presidente da República em terras brasileiras, enfatizando o "grande traço de união" que representa a comunidade portuguesa radicada no Brasil e a língua portuguesa, património comum de "muitas e desvairadas gentes". Como defendemos nas presidenciais de 2006, Portugal deve assumir-se cada vez mais como "charneira" ente o mundo europeu, a América do Sul e África. A recente presidência portuguesa da União Europeia auspiciosamente seguiu esta mesma linha e, a manter-se o rumo, os frutos acabarão por surgir.

Naquilo que nos diz respeito, sem dúvida que a Palavra de Presidente tem mostrado ser consequente. Logo em 25 de Fevereiro, nos chegou a reposta à sugestão (12.02.08) de maior cuidado no "aportuguesamento" do sítio da presidência, assinada pelo chefe da casa civil, Dr. Nunes Liberato. E efectivamente poucos dias depois já o termo "boletim informativo" substituía o anglicismo "newsletter". Muito bem!

Aguarda-se com muito interesse e alguma apreensão a próxima encíclica, digo, reflexão sobre o "discurso presidencial". A nossa apreensão prende-se no seguinte: quando se diz "Discurso presidencial tem de ter força"; "Presidente deve falar para ser escutado"... dá-se imediatamente um sinal de fraqueza, logo complementado por um "caso contrário, posso optar pelo direito de reserva".

A mensagem que passa (especialmente para o cidadão ainda não estivesse consciente da eventual fraqueza do presidente) é esta:
- Senhores do poder executivo, escutem-me, atendam às minhas mensagens porque senão...
- Senão, o quê?
- Senão... senão amuo e calo-me!

Na realidade, parece-me que tanta ênfase na ideia do "presidente da estabilidade" é excessiva porque vai comprometendo o presidente com uma linha de "não-intervenção", como um rei que abdicou. E assim, não tem que se surpreender por "não ser escutado". Não foi escutado na sua mensagem à Assembleia da República sobre a lei do aborto - e essa foi a situação quanto a nós mais grave - como noutras situações. Ou quando foi atendido (natalidade, educação, inclusão), fica a ideia que só formalmente o foi, quase como quem diz: "vamos ajudar o Sr. presidente a terminar o seu mandato com dignidade..." Ao contrário (e bem gostaria de fugir a este exemplo - se pudesse...) Mário Soares era bem escutado quando volta e meia lá agitava o espantalho da "dissolução da assembleia". Não me parece que seja esta conduta politicamente "semi-terrorista", algo a seguir. Mas a virtude há-de andar algures lá pelo meio dos dois extremos...

Muita gente que votou Cavaco Silva se questiona se tanta "fraqueza" se pode explicar simplesmente pela simpatia do Presidente Cavaco pelo estilo Sócrates ou pela esperança do apoio à re-eleição. Certo é que, no meio desta nuvem de mistério, a figura presidencial já não aparece com a força do início e... corre o risco de ficar ainda mais frágil ao assumir que "o presidente deve ser escutado"... e não é!

Por mim, não publicava uma tal reflexão. Dava "às malvas" a reeleição e agia de acordo com a consciência e o sentido da História. Que vale uma reeleição "traficada" contra o silêncio e cumplicidade diante de tanta coisa que temos visto nesta governação e o povo sente na pele? Liberdade, garantia constitucional do direito à Vida (art.º 24 da CRP, de que o Presidente - convém lembrar - é o garante), licenciatura nebulosa / assinatura de favor em projectos de engenharia (segundo relatou a imprensa), liberdade de imprensa, desemprego crescente, guerra no ensino, agonia do Sistema Nacional de Saúde, ataque à justiça, impasse na "casa Pia", etc...etc... etc...



1 comentário:

Luís Botelho Ribeiro disse...

Hoje mesmo, o Sr. presidente fez uma breve declaração na Madeira a propósito do "direito de reserva", justificando a sua não-ingerência nas questões da política regional, défice democrático, etc. Esteve bem, parece-nos, na medida em que associou o não-pronunciamento a uma busca de maior eficácia. Por outro lado, alinhou implicitamente pela tese do "magistério de influência" e, talvez sem querer, com os antecessores directos, seus teorizadores e... praticadores, nem sempre a bem da cidadania.

Em todo o caso, e se ouvir é de per si uma virtude, ao ouvir os "loucos" da Madeira (Alberto João incluído, no bom sentido...) que não puderam exprimir as suas mágoas publicamente no parlamento regional (e realmente aquela sessão preparava-se para ser mais um pranto de Lamentação do que uma recepção festiva ao Chefe de Estado...), deu o sinal que se impunha do pluralismo que se espera do Presidente de todos os portugueses.

Para mais do presidente que se vai assumindo cada vez mais como "o Homem da inclusão".