quinta-feira, julho 12, 2007

A escolha

Nota prévia: a "vantagem" destas fases de falta de tempo por pressão profissional, acaba por ser a oportunidade para dar a "antena" a análises inteligentes, lúcidas e corajosas como esta de Rui Ramos que aqui amplificamos com o nosso aplauso e vénia.

11.07.2007, Rui Ramos*

Quem diria, há uns meses, que íamos acabar assim, todos muito angustiados com a liberdade e a tolerância em Portugal?

Mas os factos são os factos.

(foto Público 11.07.07 - JS Pinto de Sousa experimentando o novo sistema de escutas a António Balbino Caldeira e outros bloggers da nossa liberdade vigiada?)

Na DREN e no Centro de Saúde de Vieira do Minho, aprendemos que não podemos contar anedotas, nem sequer repetir as anedotas contadas pelos ministros. Com o processo de intimidação legal contra António Balbino Caldeira, compreendemos que há matérias acerca das quais não nos convém mostrar demasiado interesse.

Sobre os jornalistas, caiu um Estatuto que promete dotar o país com uma imprensa atenta, veneradora e obrigada. Entretanto, as "reformas" de que estes ministros tanto se orgulham vão deixando o cidadão mais exposto perante o Estado e o Estado mais à mão do Governo.
Para muita gente, a grande dificuldade em perceber o que se passa parece decorrer disto: o Governo é do PS.

Ora, o PS foi, como ensinam os livros de história, o partido de Mário Soares e de Manuel Alegre - o partido da Fonte Luminosa.

Sim, o PS lutou em tempos pela liberdade. Mas o PS não luta agora pela liberdade.

Luta, como infelizmente toda a restante esquerda, pelo Estado social.

Ora, o Estado social não é a liberdade: é o controlo, pelo poder político, da vida de cada um. E o que o Governo faz, neste momento, é o necessário para manter e reforçar esse controlo. Com toda a lógica: quem quer os fins, deve também querer os meios.
O Estado social parte do princípio de que os indivíduos, as suas famílias e associações voluntárias não devem ser autónomos do Estado.

A liberdade, segundo os defensores do Estado social, é uma coisa perversa: entregues a si próprios, os indivíduos e as famílias mostrar-se-iam fatalmente imprevidentes e egoístas, gerando desequilíbrios, desigualdades e negligências revoltantes.

A harmonia social e o bem-estar de cada um dependem da acção sábia, a partir do Governo, de seres imbuídos da ideologia mais apropriada e da técnica mais correcta. Não se lhes pode chamar autocratas, porque, na sua infinita sabedoria e generosidade, se dividiram entre equipas alternativas e dão regularmente às massas ignaras o privilégio de escolherem qual delas deve entrar ao serviço. Mas o tributo pago à legitimidade democrática não anula o grande princípio do Estado social: o de que todos os indivíduos são irresponsáveis, e por isso convém que seja o Estado, de preferência em exclusivo, a controlar a educação, a saúde e a pensão de reforma de cada um.
Tudo isto seria óptimo, poupando-nos à angústia das responsabilidades que derivam da autonomia individual, se funcionasse.

Infelizmente, não funciona sempre. Foi o que descobrimos em Portugal.

Cobrando muito em impostos, os iluminados conseguem gastar ainda mais, para nos prestar serviços que ou não são bons por comparação (caso da educação), ou não são seguros (caso das pensões de reforma). O sistema não evita as desigualdades, os desequilíbrios e as incertezas para que, supostamente, deveria ser o remédio infalível.

Que fazer?

Este Governo percorreu, nos últimos anos, o catálogo de truques para lidar com as falhas do Estado social.

Na educação, deixou declinar a exigência, como aconteceu nos recentes exames de matemática do 12º ano, melhorando automaticamente os resultados.

Na saúde, pôs os utentes a pagar mais.

No caso da segurança social, os pensionistas a receber menos.

Tratou ainda de disciplinar a multidão de empregados que o Estado social acumulou à medida que se foi atribuindo papéis cada vez mais grandiosos.

É hoje o equivalente da população de Chipre.

Sobre os abusos e ineficiências dessa nação administrativa correm os mais graves rumores.

O Governo aplicou-lhes uma mistura de regime militar e gestão empresarial para lhes arrancar o máximo esforço com o mínimo gasto. De vez em quando, a imprensa descobre esse novo rigor.
O Estado social é isto: supõe a impotência dos cidadãos e a omnipotência dos governantes.

Os governantes do Estado social precisam que todos confiemos neles, e que encaremos o aumento do seu poder e a demonstração da sua força como um benefício. É lógico que sintam que, para manter o Estado social, é essencial preservar essa relação de confiança contra o ruído dos mal-intencionados e maldizentes.

O Estado social é, por natureza, um estado autoritário.

Se os portugueses querem viver livres, convém-lhes outro tipo de Estado.

Um Estado que, ao deixar para cada um as decisões principais que lhe dizem respeito, não precise de controlar tudo nem de gastar tanto, e a quem baste aplicar rigorosamente a lei.

A escolha é clara: ou a Liberdade ou o Estado social.

* Historiador, citado do Público (11.07.2007) via mailing list Povo_@yahoogroups.com

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