quarta-feira, dezembro 05, 2007

breve história da corrupção

Reflectiamos na hipótese mais verosímil sobre o assassinato de Camarate - na hipótese em que assentou o argumento do filme «Camarate» de 2001, realizado por Luís Filipe Rocha. Segundo essa tese, Adelino Amaro da Costa, Ministro da Defesa em 1980, estaria a investigar irregularidades relacionadas com o "fundo de defesa do ultramar" e a opor-se a uma venda de armas para o Irão*. Uma ou ambas as intervenções políticas podem ter estado na origem, primeiro, de ameaças de morte que terão levado o ministro a requisitar uma arma de defesa pessoal, e depois do próprio atentado ao avião em que igualmente seguia o primeiro-ministro Sá-Carneiro.

Tentando colocar-nos dentro da cabeça de um decisor político não será difícil encontrar lá uma velha luta entre o propósito sincero de "cumprir com lealdade as funções que lhe estão confiadas" e os instintos de sobrevivência política e... de sobrevivência simples. E uma pergunta sinistra o assombrará em pensamento: «se eu defender o interesse público contra interesses assassinos, conseguirá a república proteger-me a mim e à minha família? Levantar-se-á o povo em peso a exigir a verdade e a punição dos culpados se algum acidente me acontecer?»

A tragédia de Camarate veio deixar um sério aviso a todos os decisores (políticos ou não) desde 1980 até hoje: nem a república te protegerá, nem o povo se levantará! E esta pode bem ser a breve e simples história da crescente corrupção portuguesa. Cada vez que se perspectiva uma grande compra por parte do Estado português: equipamentos para as forças armadas (F-16, submarinos, helicópteros, fragatas, ...) ou outros, grandes obras (ponte Vasco da Gama, ponte e aeroporto de Macau, Ota, Tgv, ...) ou grandes iniciativas (Expo 98, Euro2004, America's Cup, ...), não será de estranhar que esse velho fantasma regresse... E no espírito de um ministro ou secretário de estado mais susceptível... pode ser bem capaz de influenciar decisões. Isto quando, antes disso, a coisa não estiver resolvida desde o início por comissões e "augustas" contrapartidas políticas ou por secretos deveres de obediência.

Em finais de Setembro foi conhecida** a perturbadora devassa da casa de um Juíz de instrução dos casos "operação furacão" e "Portucale", que em Agosto ali encontrara uma arma sobre a fotografia do próprio filho. Não será isto suficiente para assombrar a serenidade do Juíz em face dos tristes exemplos de que aqui evocámos? Não seria isto suficiente para a gente se indignar com a recusa de garantir segurança especial para os magistrados, como era e é o caso, a braços com processos bem escaldantes? Será preciso que alguma ameaça seja concretizada, para se fazer alguma coisa? Será preciso que o clima de violência que actualmente se vive no "mundo da noite do Porto" ou em redor do caso Passerelle, e que no passado domingo terá causado o assassinato de uma testemunha junto ao "avião" de Lisboa, transponha a "barra"? Esperamos que não, mas em casos de "Furacão" facilmente se entra no "salve-se quem puder"...

Enfim, permanece um problema em aberto este de um povo se assegurar de que os seus representantes defendem o interesse geral. Não seria mau, por isso, caminhar-se para um regime em que as maiores decisões fossem tomadas pelo maior número (p. ex. referendando-as num universo mais alargado do que o actual, i.e. o Conselho de Minsitros), diminuindo-se o risco pessoal corrido por cada decisor e praticamente atalhando qualquer possibilidade de corrupção. É certo que as decisões dependentes de informação especializada deveriam passar por uma fase de estudos, como hoje já acontece. Mas mesmo aí se poderia melhorar as coisas, distribuindo-os por várias universidades, em vez de os centralizar num único instituto. Por exemplo, o país encontra-se neste momento suspenso de (mais) um estudo do LNEC para decidir o que fazer relativamente ao novo aeroporto de Lisboa...

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* No "oceano de palavras" pode ler-se a este propósito:
«As origens ou causas do magnicídio, pelo que se sabe, residem numa investigação que na Altura estava a ser realizada por Amaro da Costa sobre o desaparecimento de 40 milhões de euros (equivalência a valores de 1980 a valores actuais) do fundo de defesa do ultramar que foi um fundo criado pelo ministério da defesa para suprir as necessidades de armamento das forças armadas portuguesas que combatiam na guerra colonial e que era gerido pelo ministério da defsa até a revolução de 25 de Abril de 1974 depois daí passou a ser gerido pelo Conselho da Revolução e pelo chefe do Estado Maior das Forças Armadas e apesar da guerra colonial ter acabdo pouco tempo depois do 25 de Abril o fundo de defesa do ultramar estranhamente continuou a existir mesmo sem razão de existir, entrteanto a constituição é revista e o Conselho da Revolução é extinto e Amaro da Costa chama ao ministério da defesa o poder para a venda de armas para exterior do território nacional e aí desaprecem os tais 40 milhões de euros por que com a extinção do CR o fundo de defesa do ultramar e automaticamnte extinto. Só se soube agora dessa fuga de 40 milhões graças a abertura do arquivos do dito fundo de defesa do ultramaros quais forma investigados pela inspecção geral de finanças, os 40 milhões desapreceram através de contas paralelas sem existir regsito contabilistico das mesmas.Outra das causas apontadas seja a venda de armas para o Irão que Amaro da Costa proibiu categoriagamente na véspera do seu assassinato e que misteriosamente no dia 6 de Dezembro de 1980, ou seja, dois dias de depois do crime de Camarate a venda foi feita apesar da proibição do malogrado Amaro da Costa.»

** In "Correio da manhã", 23.09.2007

BRIGADA DE FURTOS INVESTIGA AMEAÇA A JUIZ

A casa remexida e uma pistola do próprio deixada em cima da fotografia do filho. Foi este o cenário que Carlos Alexandre, juiz do Tribunal Central de Investigação Criminal que tem em mãos as investigações ‘Operação Furacão’, Portucale e outras, encontrou um dia de Agosto ao chegar a casa, em Linda-a-Velha, Oeiras.

A invasão e o insólito da fotografia, noticiados ontem pelo ‘Expresso’, foram entendidos como uma ameaça directa à segurança do juiz, pelo que o Conselho Superior da Magistratura já requereu ao Serviço de Informações e Segurança – que faz as avaliações – que autorize a PSP a realizar segurança pessoal a Carlos Alexandre e à sua mulher e filho. Nada foi roubado de casa do juiz, apesar de vários objectos de valor estarem à mão de semear e itens pessoais (como fotos da família) foram deixadas expostas – o que levou de imediato a suspeitar das intenções dos intrusos.

A PSP, que inicialmente tomou conta da ocorrência pela sua Divisão de Investigação Criminal, remeteu o ocorrido para o Ministério Público. O procurador de Oeiras delegou a investigação à PJ. Esta, apesar de tratar o caso como uma ameaça ao juiz, mobilizou elementos da sua brigada de furtos: os mais habilitados, pela experiência, a apurarem quem entrou em casa de Carlos Alexandre.

O caso poderá passar para a Direcção Central de Combate ao Banditismo. Para já, sabe-se que terão sido pelo menos dois os invasores, ainda por identificar.
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