Face à grande quantidade de ruído produzido à volta do caso "licenciatura de José Sócrates", tentarei elucidar algumas questões em face da legislação em vigor à data do caso em apreço (Portaria 612/93). Remetendo esta para os regulamentos e estatuto internos de cada instituição e não dispondo dos que em 1995/96 vigoravam na U. Independente, analisarei a questão em face dos que vigoravam à época na Universidade do Minho.Dados do problema:
Curso / Instituição de origem:
CESE ENGENHARIA CIVIL - ramo de Transportes e Vias de Comunicação / ISEL
(antecedido de bacharelato em ENGENHARIA CIVIL no ISEC - Coimbra)
Curso / Instituição destino:
Licenciatura ENGENHARIA CIVIL - ramo de estruturas, transportes e urbanismo / Universidade Independente
1. A passagem do ISEL para a Universidade Independente enquadra-se no regime de "transferência", "mudança de curso", "reingresso" ou "concurso especial"?Transferência corresponderia a passar para o mesmo ano do mesmo curso noutra instituição. Ora os dois cursos têm nome diferente mas indicativo de que o primeiro seria um ramo de engenharia civil; em princípio o CESE conferia diploma equivalente a licenciatura. Em princípio poderia considerar-se então transferência. No caso da Univ. do Minho, no ponto 7.2 do seu regulamento - cf. pág 301 em [2], os casos de alunos provenientes do Ensino politécnico seriam sempre considerados como provenientes de cursos diferentes, e enquadrados por isso na situação de "mudança de curso".
Admitindo que a UnI não tivesse imposto regra semelhante à da U.M., não se estava perante "mudança de curso".
"Reingresso" supunha o regresso ao mesmo estabelecimento e curso após interregno. Claramente não é este o caso.
"concurso especial" - esta é uma figura interessante que poderia ser aplicável ao caso, considerando o bacharelato em Coimbra, concluido em 1979. Na U.M. estava enquadrado num regulamento publicado pela portaria nº293/96 de 24 de Junho, certamente escorado na Lei (nº ?), e mais ou menos contemporâneo do caso em apreço. Os aspectos mais salientes deste regime seriam estes:
8.2 - Vagas de concurso para titulares de cursos médios e superiores (é o caso do bach.):
É fixada uma vaga para cada um dos cursos
10. Prazos (anexo I) Apresentação de candidaturas entre 27/07 e 14/08 (muito semelhantes aos praticados p.ex. na Fac. de Letras da Universidade do Porto, ao tempo); afixação dos editais de colocação até 25/09; Data limite de comunicação ao DESUP das vagas sobrantes 25/09
É fácil perceber que estes prazos não poderiam variar muito de estabelecimento para estabelecimento, por imposições do rígido calendário escolar (é suposto que os alunos depois frequentem as aulas). Mesmo os casos extremos em que se verificassem reclamações teriam que estar impreterívelmente decididos até 16/10 e as matrículas feitas até 23/10, possivelmente já em período de aulas.
2. Qual é a entidade a quem compete verificar a correcta instrução do processo de candidatura, deferir ou indeferir liminarmente, seriar os candidatos de acordo com os critérios definidos e, finalmente, decidir?Na portaria [1], o art.24º (da Decisão) remete para o 15º, no qual, salvo disposição contrária em regulamentos internos, se diz na alinea a) que nas Universidades é o Reitor. Sendo assim, se no caso da UnI o processo foi decidido e despachado pelo Reitor, parece-nos que, em princípio, seria este o procedimento correcto.
3. Dúvidas relativas ao cumprimento de prazos levantadas pelo comentador "MãosLimpas" neste comentárioNão é claro o seu ponto quando escreve « a chave é mesmo esta... o homem pediu ilegalmente transferência do ISEL para a UnI... LOL Por isso estava
desgostoso... mas o Arouca deu um jeitinho... A 96/95 deu cabo do esquema perfeito.... Mariano Gago tem que explicar esta situação imediatamente.»
Já acima se discutiu o tema dos prazos:" 10. Prazos (anexo I) Apresentação de candidaturas entre 27/07 e 14/08 (muito semelhantes aos praticados p.ex. na Fac. de Letras da Universidade do Porto, ao tempo); afixação dos editais de colocação até 25/09; Data limite de comunicação ao DESUP das vagas sobrantes 25/09"
Acresce que considerando que estes prazos visam em princípio a protecção do interesse do aluno, permitindo-lhe a plena frequência das aulas, não nos parece de todo absurdo que este possa transmitir à instituição, ao Reitor, a sua disposição de voluntariamente prescindir das garantias (logísticas, pedagógicas, etc.) que o normal cumprimento dos prazos em seu benefício estabelece. Na verdade, os alunos trabalhadores-estudantes, como era o caso, estão dispensados de todas as aulas teóricas e teorico-práticas, podendo apresentar-se a exame final sem a frequência de qualquer aula. O problema só surge se a aprovação inclui uma componente prática obrigatória, para a qual é necessária em regra a presença em 2/3 do total das aulas.
Sobre a data do certificado de habilitações do ISEL (de 8 de Julho de 1996) que supostamente consta actualmente do processo do aluno José Sócrates, podem pôr-se duas hipóteses (mais ou menos verosímeis mas efectivamente possíveis) que carecem de investigação, não podendo à partida concluir-se da sua falsidade ou veracidade: i) pode um primeiro certificado (anterior a Julho de 1996) ter sido entregue e ter-se extraviado, exigindo a UnI um segundo para completar o dossiê, perante a conclusão iminente da licenciatura; ii) pode o aluno José Sócrates ter-se inscrito na UnI com base apenas no bacharelato e perante a posterior dificuldade em concluir alguma(s) disciplina(s) a que eventualmente tivesse tido aproveitamento no ISEL, (por falta de tempo, motivação, capacidade ou por uma combinação das três razões) apresentado um pedido de equivalências suplementares às originalmente solicitadas.
Por consulta ao
certificado do ISEL (
tb. disponível o verso) não resta qq dúvida de que essas aprovações respeitam ao ano de 94/95, o que é compaginável com a inscrição de J.S. na Indepedente em Setembro de 1995.
Uma peça fundamental para esclarecer se houve ou não extravios de certificados era o boletim de matrícula na UnI (admitindo que eventuais falhas não possam ter sido supridas posteriormente como tantas vezes acontece). Referido por Ricardo Felner no seu primeiro artigo, o certo é que este não se encontra na
lista de cópias JPG entretanto afixada no site.
«Já o Boletim de Matrícula na UnI revela que, nessa ocasião, o único documento junto ao processo foi uma fotocópia do BI.». Sem a possibilidade de verificarmos aquele boletim, é impossível estabelecer uma conclusão quanto a este ponto.
4. A questão das equivalências concedidas e plano de estudos fixado ao aluno José SócratesEmbora nada explicite por escrito e de forma absolutamente exacta a prática a adoptar, a regulamentação existente indicia uma certa flexibilidade na análise das transferências para o último ano do curso, de forma a que o candidato fique unicamente dependente de si para realmente concluir o curso naquele ano. Se a equivalência fosse dada cegamente cadeira a cadeira, era possível que o aluno ficasse preso por cadeiras com precedências entre si que o retivessem no novo curso por mais de um ano, ainda que se esforçasse e obtivesse sempre aprovação. Por isso, como referi já em
post anterior, a equivalência podia ser dada por grupos de disciplinas, garantido peso similar. Esta atitude mais aberta para os casos de transferência para o último ano fica patente, por exemplo, até na regime de abertura de vagas definido em [2] já citado:
8.3 Vagas - Ingresso no último ano do curso (pág. 302)
Os casos de reingresso, mudança de curso e transferência serão, para estes anos, analisados casuísticamente, podendo, caso o funcionamento do curso o permita, ser criadas vagas supranumerárias.
5. Monografia / relatório final da disciplina semestral de "projecto / dissertação"Conforme já escrevi em
post anterior, o aspecto determinante dos esclarecimentos do cidadão José Sócrates no desmentido de alegadas facilidades concedidas à sua licenciatura deverá centrar-se na cadeira de projecto, que ocupa em exclusivo o plano curricular para o último semestre do curso (correspondente a
20 horas efectivas e certamente a um número de créditos bastante significativo, para a ponderação da nota final). Sendo um trabalho tão importante, é também dos poucos que, anos depois, continua vivo na memória e em condições de, evocado
de surpresa*, poder ser oralmente apresentado, pelo menos nas suas linhas gerais. Esta importância especial, está aliás na base do especial cuidado com que estes trabalhos são avaliados. Face a rumores recorrentes de que há empresas ou consultores especializados a "fazer" estes trabalhos em vez de alunos menos capazes, um dos aspectos mais importantes da prova oral consiste em verificar com razoável rsegurança que a) foi o aluno (ou alunos, se o projecto for em grupo) que realmente fez o trabalho e b) foi o próprio aluno quem elaborou o relatório. Esta análise é especialmente crítica quando, como parece ser o caso,
o trabalho não foi realizado pelo aluno nas instalações da Universidade, impossibilitando o desejável acompanhamento efectivo pelo supervisor ao longo do tempo.
Um aspecto digno de nota é que existe uma outra figura, não discutida no ponto 1., que talvez pudesse ser evocada pelo candidato à Uni, não fora a existência desta disciplina de projecto: trata-se da "
equivalência de grau". Embora nenhum grau detido pelo candidato ao tempo equivalesse a uma licenciatura, podia acontecer que o conjunto das disciplinas com aproveitamento no CESE do ISEL e no bacharelato em Coimbra fosse suficiente. Como disse o Sr. Ministro com a pasta do Ensino Superior na conferência de imprensa, indo para o seu cesto(sic) ano no ensino superior, talvez até o cidadão José Sócrates pudesse ser dispensado de fazer qualquer nova disciplina. Mas não do projecto, parece-nos a nós e, possivelmente, à Ordem dos Engenheiros.
Impõe-se-nos, pois, a incontornável realidade da "cadeira" de "projecto e dissertação". Embora sujeita ao mesmo regime de obrigatoriedade de conservação por cinco anos, como todas as outras peças de avaliação, é normal que se guardem cópias dum trabalho tão importante que normalmente coroa a caminhada para a licenciatura na biblioteca das instituições, no arquivo do orientador, da Direcção de Curso e, naturalmente, do próprio aluno . Tais relatórios ou monografias, que pomposamente a UnI designa por dissertações (fora do contexto de um mestrado), são normalmente objecto de análise pelas comissões de acreditação dos cursos de engenharia, no sentido de verificarem o rigor e qualidade do trabalho aí produzido. Tendo em conta que esta cadeira de projecto era na UnI de apenas um semestre e não dois, ao contrário de outras licenciaturas (normalmente mais antigas), mesmo assim a monografia é um documento que se guarda na estante de honra - para não desaparecer.
Luís Botelho Ribeiro**
notas:* infelizmente já não será bem este o caso, um mês após o rebentamento deste escândalo
** antigo sub-director e director do curso de licenciatura em Engenharia Electrónica Industrial da Universidade do Minho no período de 1997 a 1999, com cerca de 54 processos individuais de equivalência envolvendo um total de c. de 650 equivalências entre disciplinasreferências:[1] Portaria 612/93 de 29 de Junho
[2] Guia dos cursos de licenciatura e bacharelato 95/96, Universidade do Minho, ISSN 0872-3567, Depósito Legal nº 91232/95