sexta-feira, maio 18, 2007

de excommunicatione

Quem me pode obrigar a falar com quem não quero ou escutar quem me não interessa?

Reflectindo sobre as diferentes possibilidades de resistência não-violenta ao Estado, apareceu-nos, quase a "talho de foice", a discussão sobre a excomunhão dos políticos pró-aborto do México, avisados da possibilidade de (auto-)excomunhão pelos bispos, secundados pos S.S. o Papa Bento XVI. Realmente, o corte da comunicação-comunhão pode ser uma forma muito efectiva de reprovação civil, desde que mantida de forma concertada pelo número de cidadãos suficiente e durante o tempo suficiente.

Esta prática tem cobertura até na informação dada aos interrogados: "você tem o direito de não prestar declarações". Salvo melhor opinião, o cidadão tem então o direito de não ler / não ouvir aquilo que o Estado lhe escreve ou diz. Ou será que não tem? Afinal um cidadão mudo, surdo ou cego pode ter limitados os seus direitos em virtude da sua situação de deficiência? E não existe o prioncípio da Igualdade? O sistema não deve poder funcionar de igual modo para estes ou para aqueles que simpesmente não estejam dispostos a prestar mais atenção à comunicação estabelecida por canais estatais? E se tantas vezes o Estado nos faz isto (não responder às petições e cartas dos cidadãos ou responder "chapa 5"), porque não poderemos nós devolver-lhe a postura? Rasgar as e deitar ao lixo as multas que nos deixa no limpa-vidros, guardar sem abrir ou deitar fora as cartas que nos cheguem de quaisquer instituição pública, enfim submeter-se apenas às ordens que lhe cheguem pessoalmente e acompanhadas da devida força de coacção para não poder de forma eficiente resistir-lhes mas sempre em silêncio: não serão tudo formas de inacção salvaguardadas no âmbito da liberdade pessoal?

É muito interessante que a maior penalização da mais antiga(?) instituição na Terra seja precisamente o corte da comunicação, uma secular política de não-violência cuja eficácia a sociedade-civil ainda não terá apreendido completamente. Eis o que agora proponho - usemos com o Estado desta forma de reprovação que ele em tantos momentos já terá usado connosco - assim nem sequer estaremos a "abrir as hostilidades".

A Igreja Católica tem vastíssima reflexão escrita sobre esta matéria - como referência de entrada nesse mundo pode-se citar:
http://www.intratext.com/X/LATSA0042B.HTM





Sobre a "irresponsabilidade dos responsáveis" escrevi em tempos:

Quod scripsi, scripsi

O governante português típico não escreve. Não escreve, não envia fax ou email que seja. Não fossem as notáveis virtudes da fita magnética e da cavilha telefónica (na Bahia são grampos...) nas mãos diligentes dos novos pides e a todas as palavras o vento as levaria.

Na melhor das hipóteses, manda telefonar, manda dizer, põe a circular, “confidencia” à inconfidente imprensa (é o seu mester), deixa escapar a “fuga”... É um estilo (ou falta dele) que se institui com o passar do tempo e até podemos ser tentados a explicar historicamente com a “política do segredo” de D. João II ou, logisticamente, com a previsível falta de papel a médio prazo, quando nos tiver ardido de vez toda a floresta e não houver mais “papel” para papel. (paper for paper, qual food for oil)

Por uma ou outra razão ou para não “dar erros” ou por ser simplesmente analfabeto ou iliterato funcional, certo é que o responsável público português gosta pouco de escrever e prefere falar. Talvez para depois poder sempre negar ter dito o que disse, ou dizer que não disse bem assim ou que disse algo parecido mas num contexto completamente diverso. A única excepção que abre é quando o interlocutor é um tribunal. Aí escreve, escreve e só na última lá vai e fala, se não pode pôr outro a responder por si.

E, nisto, é o governante de hoje um digno sucessor da escola do primeiro rei, o conquistador vimaranense em cuja boca, referindo-se à escrita, põe o grande Herculano palavras mais ou menos assim “esses gatafunhos, à fee, foi cousa que nunca entendi nem quero!” Sabiamente, confiava em quem lhe lia os decretos reais, os forais e limitava-se a selar. O hábito de selar, como se sabe, mantém-se. E o próprio papel selado não há muito que foi banido e nos deixou em paz.

A sina de ter que sancionar ou votar decretos e leis que se não entendem, mesmo sabendo lê-los, continua a persegui-lo ainda hoje. Vinga-se como pode, dedicando um desprezo mortal a “quem sabe”, aos técnicos, à autoridade mental ou moral, ao cientista. Pela sua parte, não sabe e tem raiva a quem saiba. Ao professor que se lhe apresente com algumas certezas e raras dúvidas, rapidamente o arruma numa prateleira e tenta esquecê-lo, não vá ele um dia sonhar voltar a candidatar-se à presidência da República...

Podendo, prontamente o mandaria às fogueiras da inquisição ou, hoje, às da imprensa – as únicas com suficiente poder de co-incineração e padrões de arbitrariedade, “independência” e sede de escândalo adequados à sinistra missão. Se o cidadão não se “mexer” muito, apesar de tudo, se não fizer muito “estrilho”, até pode ser deixado no relativo sossego da excomunhão administrativa. Mas quando realmente “há merda grossa”, eis que nos aparece o cidadão na TV ostentando os volumosos dossiês de abaixo-assinados e apelos não respondidos, alertando para o caso muito antes da coisa.

“Ele é” o cidadão de Sintra, fiel ao seu hobby de anos protestando contra o bairro mal licenciado junto do qual cai um avião. “Ele é” a antiga Secretária de Estado da Família que vê arquivadas as suas denúncias de situações obscuras na Casa Pia. “Ele é” o presidente da câmara de Castelo de Paiva, anos a fio, insistindo na necessidade de reparação da “sua” ponte antes de ela tragicamente ruir. Quem escreve, responsabiliza-se e pode ser preso. Melhor não escrever, nada decidir e ir ao parlamento dizer que a ponte está “firme e para durar”. Se não está, como não esteve, há sempre um parecer escrito, assinado por um engenheiro qualquer para lançar às feras.

Se sobre o político, num tal caso, só impende a “pena máxima” da demissão e uma conveniente quarentena mediática, porque diabo é que as 14 vítimas do alumínio de Évora levaram Leonor Beleza ao banco dos réus com uma acusação de crime com dolo, ou seja, com alegada intenção malévola? E porque é que as 60 vítimas de um Estado, que ou não mantém as suas pontes ou as derruba com barragens mal governadas, não levam a tribunal qualquer responsável político? Dois anos já lá vão e por menos (sem envolvimento em crimes de morte) há um ex-ministro, um ex-embaixador e outros suspeitos presos.

Por isso tudo, melhor não escrever – pensa o tal responsável português. Mas talvez se engane com o povo. Afinal de contas, que voz corre sobre o duro governador romano Pilatos que escreveu e confirmou, perante o coro de protestos dos príncipes dos sacerdotes, tudo o que escrevera? Que se livrou de responsabilidades e... lavou as mãos.

L.B.R. in "espírito de Guimarães", Ed. Cidade Berço, 2005

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