segunda-feira, maio 28, 2007

JCNeves - A Caminho do sucesso no meio do disparate

Recebi hoje mesmo de Pedro Aguiar Pinto o seguinte texto excelente (mais um) de João César das Neves (publicado no DN de hoje) que, com a devida vénia, reproduzo e brevemente comento no final:

A CAMINHO DO SUCESSO NO MEIO DO DISPARATE

João César das Neves
professor universitário
naohaalmocosgratis@fcee.ucp..pt

A Fundação Richard Zwentzerg nasceu em 1999 para estudar o atraso e subdesenvolvimento no mundo mas, logo no início da actividade, ficou fascinada com o caso de Portugal. É famoso o seu relatório de Março de 2000, O País Que não Devia Ser Desenvolvido - O Sucesso Inesperado dos Incríveis Erros Económicos Portugueses. Aí se dizia: "Portugal fez tudo errado, mas correu tudo bem. Os disparates cometidos na sua História são enormes. Só comparáveis com o sucesso que tiveram. Nenhum outro povo do mundo conseguiu construir... e destruir tantos impérios em tantas épocas e regiões. Hoje é um país rico, mais rico que 85% da população mundial. Mas conseguiu isso violando todas as regras do desenvolvimento."
A instituição publicou uma pequena colecção de estudos documentando a nossa realidade, até que a actual crise económica criou novo desafio. Estaria Portugal afinal sujeito às regras gerais? Iria pagar finalmente o preço dos seus muitos erros? Para responder acaba de surgir um novo estudo sobre o nosso país, após um silêncio de quase quatro anos (o anterior é de 2003 e, como todos, só é acessível no DN).
Os especialistas continuam a defender a sua teoria inicial, encontrando elementos únicos nesta realidade, agora no meio das dificuldades. Ainda é cedo para proclamar o resultado, mas, como diz o título do texto, Portugal está "a caminho do sucesso no meio do disparate".
O primeiro capítulo nota com satisfação como, desde o último estudo, se mantém por cá o nível da nova geração de enormes erros e tolices. Os estádios do Euro 2004, as OPA e a nova lei do tabaco, o descalabro das universidades e o plano tecnológico, três governos e quatro ministros das Finanças em quatro anos, o endividamento do País e a derrapagem dos custos laborais. Com a Ota e o TGV a asneira promete continuar. O País mantém-se fiel à tendência histórica.
Mas em Portugal disparates tão grandes vêm sempre a par de grandes melhorias. A fundação afirma que mais uma vez isso acontece. A economia portuguesa sofre uma mutação notável, com um grau de recuperação e adaptação à globalização raramente igualado. Os sinais são evidentes. A taxa de transformação estrutural da produção é talvez maior que em qualquer década anterior. O influente sector têxtil tradicional desapareceu de súbito com efeitos que se diluíram rapidamente. Os serviços, que eram 66% do produto nacional há dez anos, subiram para mais de 73% do total. Apesar disso, as exportações aumentaram 30% desde 2000 e modificaram largamente a sua orientação, quer sectorial quer geográfica. O País, supostamente em recessão, absorveu 400 mil imigrantes, fortalecendo a evolução. Todos estes e outros factos notáveis mostram como no meio da crise está a nascer o futuro surto de progresso.
Entre os portugueses ninguém reparou. Só se ouvem as queixas de estagnação e desemprego, custos inevitáveis da magna adaptação à "nova economia". Por vezes alguém nota como no meio da crise as praias, o Algarve e os centros comerciais estão cheios e a vida continua calma e relativamente próspera. Mas não se tiram conclusões e recai-se na lamúria. Estudos e especialistas repetem estribilhos que inventaram há séculos: "O modelo está esgotado", "Este país não tem solução". Até o Governo, que é interessado em sublinhar os êxitos, não viu nada e aposta em projectos nefastos, reformas tímidas, sonhos mirabolantes. Enquanto estraga tudo com as despesas descontroladas.
O relatório insiste nas semelhanças entre esta situação e o percurso das excelentes décadas anteriores, onde o País mudou radicalmente no meio de erros, zangas e lamentos. Ignorando as incríveis novidades nas suas empresas e mercados, os portugueses ocupam-se das questões tolas de sempre. Ou até mais tolas, arrisca a análise, pois a licenciatura do primeiro-ministro, aborto, ataque à família e confusão nas autarquias atingem níveis antes desconhecidos.
Portugal faz tudo mal, como sempre. Mas depois, sem saber como, safa-se. Como diz a frase tão tradicional: "Não há-de ser nada".

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Caríssimo Pedro Aguiar Pinto,

A partir de Lisboa talvez seja legítima a (ilusória) perspectiva de que Portugal "safa-se", desenrasca-se... Aqui para cima é muito mais evidente o segredo deste "desenrascanço", face à "safadeza" dos nossos actuais líderes. Como já escrevi no meu blogue*, a emigração diária ou semanal para Espanha (com os seus enormes custos pessoais, familiares e sociais) é que está a ser uma das válvulas de escape para uma pressão que de outro modo, acabaria por explodir. Os frequentes acidentes com carrinhas de trabalhadores portugueses não são um dado inócuo de sentido político. Ainda há uma semana uma reportagem apresentada a desoras (como convém à manutenção deste estado de coisas) na SIC (salvo erro), ilustrava este terrível drama quase silencioso, que eu conheço bem e de bem perto, vivendo em pleno vale do Sousa. A verdadeira desgraça dos portugueses é que quando traduzem esta realidade na (subtil mas falsificável) linguagem dos não-votos... não são compreendidos pela sua nomenklatura político-jornalística.

Realmente é verdade que "isto não tem solução" com esta gente. Mas também é verdade que os portugueses vão continuar a ter de resolver primeiro o seu problema pessoal e familiar, antes de tratar como mereciam os tratantes que os (des)governam. O choro dos filhos em casa fala mais alto! Até um dia... Por mim, não acho que o problema da mentira do primeiro-ministro sobre a sua "engenharia" seja uma "questão tola" - além de sinal de outras mentiras (mais graves mas menos facilmente desmascaráveis). Como português que ainda preza alguma coisa a sua Honra, vexa-me a ideia de que um tal indivíduo ande pela Rússia a fazer-se passar por meu representante!

Luís Botelho Ribeiro


* em http://cidadaniapt.blogspot.com/2007/04/henry-thoreau.html

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