quarta-feira, outubro 31, 2007

as dez questões dos filósofos ao sr. primeiro ministro et al.


Os políticos bem podem reclamar o epíteto de homens (e mulheres) de acção. Mas não podem negar 2500 anos de tradição ocidental que, com Aristóteles (grande homem, segundo Moliére...), exigem o pleno acordo da acção... com o pensamento.

Ora, se bem me lembro e se ainda não estou... "a-Nemésio", andam por aí dez questões à procura de resposta, como aquelas célebres "seis personagens à procura de um autor".

O que fazer, senhores governantes, daquelas 10 questões colocadas por filósofos, sabiamente apresentadas e fundamentadas por
Michel Gabriel Renaud.... no Chiado, em Novembro de 2006, acompanhado pela Prof. Maria Pereira Coutinho, o Prof. Manuel Patrício entre outros que constituiam o grupo interpelante de 25 filósofos e professores de filosofia das universidades do Minho, Católica, do Porto, Nova de Lisboa e Évora.

Os senhores bem podem fingir ignorá-las... mas não ignorar a "tradição" que têm as questões algum dia formuladas por filósofos - atravessam os séculos, interpelam o espírito humano e contribuem mais decisivamente do que qualquer canhão para os periódicos reencontros da Humanidade com a sua Dignidade... na história!
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Além da pertinência e essencial importância do assunto das questões, seria de boa educação responder a quem com toda a correcção nos interpela. Mas também aqui parece que os tempos não são de grande convergência entre as exigências da elevação e o actual nível da alta(?) política portuguesa...


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O Diário Digital/Lusa, noticiava assim a coisa na altura...

«Queremos saber porquê dez semanas», justificou o professor Michel Renaud, da Universidade Nova de Lisboa, na apresentação da iniciativa, realizada no Chiado, na zona histórica da capital.

A pergunta que vai ser sujeita a referendo interroga os votantes se concordam com a «despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado».

«Porquê dez e não 20 ou 30», interrogou-se Michel Renaud.

Os cerca de 20 signatários da carta consideram que a proposta de «liberalizar» o aborto até às dez semanas vai «atentar contra a vida» dos fetos até aos 70 dias.

E classificam de «discriminatória uma lei que criminaliza o acto de atentar contra a vida de um ser humano de mais de 70 dias e que ao mesmo tempo liberaliza o acto de atentar contra a vida de um ser humano de menos de 70 dias», disse o docente universitário na sessão onde mostrou um boneco que disse ser uma representação, à escala natural de peso e medida, de um feto com dez semanas.

«Em nosso entender, [a pergunta] viola a Constituição», disse Michel Renaud à agência Lusa, questionando por que razão «o embrião não merece o respeito incondicional».

Sublinhando várias vezes que os autores da iniciativa de questionar o primeiro-ministro, ministro da Justiça e grupos parlamentares «não querem radicalizar as questões», afirmam que «os maiores crimes contra a Humanidade consistiram em discriminações no quadro dos direitos fundamentais».

A fundamentação da pergunta «permitirá concluir se estaremos ou não perante o primeiro caso de discriminação que não vamos lamentar no futuro», lê-se no texto subscrito por professores das universidades do Minho, Católica, do Porto, Nova de Lisboa e Évora.

As campanhas do «não» e do «sim» ao referendo de Fevereiro tiveram quase lado a lado hoje na Baixa de Lisboa, já que a escassos 20 metros do local onde os filósofos divulgaram a sua iniciativa um grupo de apoiantes do «sim» preparava uma acção de rua.


outras notícias:
DN

RNA

JN

Diário Digital (em merecido último lugar, por consagrar assim o neo-verbo "tar" no último parágrafo da notícia: "As campanhas do «não» e do «sim» ao referendo de Fevereiro tiveram quase lado a lado hoje na Baixa de Lisboa")


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a propósito, algumas ressonâncias compiladas por João Araújo...

"A maioria do nosso grupo não conseguiu encontrar, entre a fecundação e o nascimento, um ponto no qual fosse possível dizer: aqui não está uma vida humana."

Para além de provar a falta de fundamento das leis portuguesas, estas citações servem para ilustrar um ponto absolutamente fundamental: na posição teórica de fundo, não há discordância entre os pró-vida e os pró-aborto. Tanto os filósofos pró-vida como os filósofos pró-aborto estão de acordo em que o aborto é aceitável se e só se o infanticídio o for também.

Os pró-vida rejeitam o infanticídio e, consequentemente, rejeitam o aborto. Os pró-aborto, aceitando o aborto, vêem-se compelidos a aceitar o infanticídio!

Os mesmos deputados acham que o infanticídio não é coisa que se deixe à consciência da mãe.

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M. WARREN: "Um feto é biologicamente humano (humano em sentido genético), mas isso não faz dele o tipo de ser com direito à vida. Somente as pessoas (aqueles que são humanos em sentido moral) têm um tal direito. É errado matar pessoas, e se um ser-humano não for também pessoa, então não tem direito à vida, pelo que é, ou frequentemente pode ser, moralmente correcto destruí-lo."

Depois a autora identifica as características das pessoas "em sentido moral": são a consciência de si, a capacidade de comunicar, ter actos racionais, capacidade para resolver problemas, etc., e o resultado é que bebés recém-nascidos também não são pessoas. Logo, continua a autora, "Matar recém-nascidos não é assassínio" Cf. Mary-Ann Warren, On the Moral and Legal Status of Abortion, in Today's Moral Problems. 2nd ed. New York: Macmillian, London: Collier Macmillan.

... E se uma criança de quatro anos também não é ainda plenamente uma pessoa... temos um problema se se vier a descobrir o que aconteceu e, eventualmente, quem raptou ou assassinou Maddy MacCann... ou a pequena Joana... ou tantos outros pequenos mártires destes nossos conturbados tempos.

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