domingo, outubro 21, 2007

Transparência nos Fundos de Investimento regulados pelo I.S.P.

Nota prévia: colocamos este post na esperança de que a dinâmica da blogosfera ajude a esclarecer e, eventualmente, melhorar o funcionamento da regulação do mercado de fundos lançados por seguradoras.

Em 2006 participámos numa iniciativa para liquidar uma participação familiar no fundo de investimento CAIXA SEGURO 5/20 da Seguradora Fidelidade, do grupo Caixa Geral de Depósitos. Perante uma proposta de liquidação que se traduzia não só numa não-capitalização mas até em perda de capital investido, decidimos aprofundar o nosso conhecimento das regras de funcionamento daquele fundo em particular e do próprio sistema de regulação em geral. As principais questões prendiam-se i) com o histórico dos valores da Unidade de Participação e ii) com o momento de execução da ordem de liquidação dada pelo cliente.

Sucedera-nos o seguinte: a ordem de liquidação foi executada bastante tempo depois do razoável e no preciso momento em que o suposto valor da Unidade de Participação atingia um valor bem inferior ao que se verificava no momento da nossa ordem de liquidação (ela própria já atrasada e obstaculizada por uma série de exigências burocráticas: habilitações de herdiros, etc...). Perante aquela "estranha coincidência", quisemos naturalmente saber se a evolução daquele fundo poderia de alguma forma ter sido seguida ao dia ou sequer à semana por nós ou por qualquer dos outros pequenos investidores... ou sequer pela entidade reguladora.

Após diversos contactos com o balcão da Caixa onde a participação no fundo nos fora vendida, algumas trocas de emails com a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e o Instituto de Seguros de Portugal (ISP), o quadro foi adquirindo alguma aparente nitidez. Salvo algum lapso de interpretação do "economês" de algumas mensagens, as principais conclusões a que chegámos foram as seguintes:

1. Estes fundos* são supervisionados pelo Instituto dos Seguros de Portugal e não pela CMVM - «* Instrumentos de Captação de Aforro Estruturados (ICAE) no âmbito da actividade seguradora, explorados pela Companhia de Seguros Fidelidade-Mundial, S.A.»»

2. As cotações podem em princípio ser pedidas pelo cliente à entidade responsável pela emissão e gestão do fundo (o que verificámos na prática foi que este processo não funcionava com a simplicidade e celeridade desejáveis.)

3. Pedido ao I.S.P. o histórico da Unidade de Participação do fundo CAIXA SEGURO 5/20 eventualmente aí registado, este confirmou-nos que não possuía registo da sua evolução temporal, tendo-se prontificado a solicitá-lo por sua vez à Fidelidade; recebida por fax, essa informação foi-nos então reenviada, permitindo-nos finalmente observar o (para nós) malfadado e bizarro comportamento daquele fundo nos meses de Outubro de 2005 a Maio de 2006.

4. Este processo encontra-se seguramente guardado para memória futura no Instituto de Seguros de Portugal sob o nº 69642/DAC/MT - pode facilmente verificar-se e aprofundar-se ao detalhe todos os seus passos.

5. A composição da carteira que compõe o fundo pode efectivamente ser acompanhada na Internet (valor da U.P era de 90,39€ em 30 de Junho passado) ; há ainda um relatório referido a 31/12/2005... onde se pode observar a tendência de descida (apesar dos 5% garantidos no primeiro ano) mas nada mais recente, o que se estranha, encontrando-nos já à entrada de Novembro de 2007.


Reflexões finais: não é preciso ser-se especialista de mercados de títulos para conceber que a condição mais básica da transparência dos produtos financeiros é a publicação ou pelo menos o registo regular na entidade supervisora dos valores das Unidades de Participação. Os pequenos investidores num fundo não devem ficar à mercê da entidade emitente para, no momento da liquidação, esta "fazer as contas" com números que mantinha em segredo, sem qualquer publicação na imprensa, sem qualquer registo numa entidade pública idónea como o ISP ou a CMVM, conforme o caso.

Há um conjunto de questões que ficam no ar, à espera que a blogosfera ou as instituições responsáveis as venham esclarecer melhor do que a fase "privada" deste processo logrou conseguir.
  • Que garantia é dada ao cliente/investidor de que a entidade não manipulará os valores do histórico, no sentido de o penalizar?
  • Que garantia é dada ao cliente/investidor de que os números do histórico que lhe enviaram, serão aos mesmos para qualquer outro cliente pequeno ou grande que os venha a solicitar?
  • E, finalmente, que garantia é dada ao cliente/investidor de que, ainda que as cotações sejam de facto verdadeiras, a entidade não escolherá o pior momento para a liquidação da participação, na perspectiva do cliente, se no prospecto nada se encontrar determinado nesse sentido?

É nosso desejo contribuir para um melhor funcionamento também do nosso sistema financeiro no interesse dos clientes e também no das instituições. Não raro se procuram causas para a falta de confiança nos mercados. Na cidadaniaPT pensamos que uma parte desta falta de confiança radica directamente na aparente falta de transparência do sistema. Oxalá que o esclarecimento deste e doutros casos que os leitores queiram aqui relatar, possa ajudar à credibilização do sistema - não pela via da credulidade dos pequenos clientes e investidores mas sim pela da credibilidade de todas as instituições financeiras e reguladoras envolvidas. E isto passa pelo reforço da transparência destes processos!

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