quinta-feira, janeiro 24, 2008

da necessidade de uma Ala pró-Vida no Parlamento - parte 2



Contributo dos cristãos para a vida social e política

Em primeiro lugar, consideremos a natural repulsa do cristão perante a “pestilência” do ar que se respira nos cada vez menos arejados corredores do poder, dos “passos perdidos” da nossa Assembleia da República, onde em última instância se fazem e desfazem as leis (boas ou más) que nos regem. Acontece que essa repulsa e o consequente afastamento acaba por ser aproveitado por outros que, embora com menos mérito e eventualmente vocação de serviço ao “bem comum”, preenchem completamente as listas de candidatura, da esquerda à direita. E desta forma, acabamos todos nós por não encontrar no limitado leque de escolhas que nos é proposto no “boletim de voto” uma opção minimamente em linha com a Doutrina Social da Igreja, compatível com o projecto cristão de sociedade, com a Cidade de Deus1. E assim pela vontade de uns quantos e pela passividade da maioria, acaba por não existir ainda qualquer alternativa política estruturada e assumida em nome dos nossos Valores partilhados.
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Iniciemos a nossa reflexão, com a leitura de um pequeno excerto do código de Ética de Empresários e Gestores portugueses2. Declaração voluntária e consciente de responsáveis por organizações onde em última instância se procura o lucro, se o ideal cristão fosse uma utopia inviável, impossível de observar na vida prática, hipoteticamente contrária ao interesse ou até à sobrevivência, este seria – na superficialidade da opinião corrente - o último lugar onde se esperaria encontrar uma referência a Deus, à Doutrina Social da Igreja (noção de Bem Comum), à finalidade transcendente da existência humana, à ética. E, porém, o que ali se pode ler é o seguinte:
«O Homem é o fundamento, o sujeito e o fim de todas as instituições em que se expressa a vida social. Criado por deus e salvo por Jesus Cristo, o Homem é o princípio e o fim da ética, de toda a via social e política, de toda a economia e de todas as estruturas existentes.
Cada Homem, com as suas características únicas e irrepetíveis, tem uma missão a desempenhar na construção da sociedade e no desenvolvimento da vida económica, que tem de ser potenciada e implementada para plena realização da sociedade e do Bem Comum.
Essa missão, para ser plenamente desempenhada necessita que cada Homem descubra a finalidade da sua existência, e encontre com o seu esforço individual e o apoio dos outros, as bases morais, a formação e os meios sócio-económicos necessários para potenciar todas as sua características pessoais.»

Curiosa - e surpreendente para alguns, parados no preconceito do “capitalismo selvagem” – será também a noção de Empresa e de Ética Empresarial ao serviço da pessoa3:
"a empresa tem responsabilidades e, em consequência, deve agir responsável e eticamente". [...] "Se a actividade empresarial esquece a sua vocação - estar ao serviço do Homem e do seu desenvolvimento - então deixa de ter sentido", "as melhores pessoas não toleram um comportamento sistematicamente injusto ou sem ética, por isso afastar-se-ão mais cedo e mais tarde, e aí a organização morre". "A ética Empresarial não é um custo acrescido para a empresa mas um passaporte para obter uma empresa mais competitiva e mais forte sendo por isso muito mais sustentável a médio prazo", "o lucro e o exercício de qualquer poder só é legítimo se tiver ao serviço do ser humano, e torna-se ilegítimo quando for obtido ou exercido à custa da dignidade das pessoas e dos seus direitos".
Se assim se assume a dimensão ética e moral no plano da vida empresarial, por maioria de razão o mesmo fundamento poderia ser estabelecido no plano cívico. Mas não é e – particularmente na Europa e em Portugal – uma forte onda laicista procura banir da realidade quotidiana e da realidade jurídica qualquer elemento ou influência cristã. Retiram-se primeiro os crucifixos e depois os nomes de santos das Escolas, recusa-se a referência à herança cristã na formação da Europa, de Portugal... e da própria “genealogia” da ideia Ocidental de Liberdade, como bem tem alertado S.S. O papa Bento XVI.

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DA EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL CHRISTIFIDELES LAICI DE SUA SANTIDADE O PAPA JOÃO PAULO II SOBRE VOCAÇÃO E MISSÃO DOS LEIGOS NA IGREJA E NO MUNDO, 30 de Dezembro de 19884
«As acusações de arrivismo, idolatria de poder, egoísmo e corrupção que muitas vezes são dirigidas aos homens do governo, do parlamento, da classe dominante ou partido político, bem como a opinião muito difusa de que a política é um lugar de necessário perigo moral, não justificam minimamente nem o cepticismo nem o absentismo dos cristãos pela coisa pública.»

«É direito e dever dos pastores propor os princípios morais, também sobre a ordem social, e é dever de todos os cristãos dedicarem-se à defesa dos direitos humanos; a participação activa nos partidos políticos é, todavia, reservada aos leigos.»

«Uma política em favor da pessoa e da sociedade tem o seu critério de base na busca do bem comum, como bem de todos os homens e do homem todo, bem oferecido e garantido para ser livre e responsavelmente aceite pelas pessoas, tanto individualmente como em grupo « A comunidade política — lemos na Constituição Gaudium et spes — existe precisamente em vista do bem comum; nele ela encontra a sua completa justificação e significado e dele deriva o seu direito natural e próprio. Quanto ao bem comum, ele compreende o conjunto das condições de vida social que permitem aos indivíduos, famílias e associações alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição »

« Toda a actividade, toda a situação, todo o empenho concreto — como, por exemplo, a competência e a solidariedade no trabalho, o amor e a dedicação na família e na educação dos filhos, o serviço social e político, a proposta da verdade na esfera da cultura — são ocasiões providenciais de um “contínuo exercício da fé, da esperança e da caridade”.»

«Para que os leigos possam realizar activamente este nobre propósito na política (isto é, o propósito de fazer reconhecer e estimar os valores humanos e cristãos), não são suficientes as exortações, é preciso dar-lhes a devida formação da consciência social, sobretudo acerca da doutrina social da Igreja, a qual contém os princípios de reflexão, os critérios de julgar e as directivas práticas (cf. Congregação para a Doutrina da Fé, Instrução sobre liberdade cristã e libertação, 72)»
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In Carta pastoral do episcopado português JULHO – 1974 sobre o contributo dos cristãos para a vida social e política, Ed. Diário do Minho, Julho 1974, pág. 28
«Apelamos, pois, para a presença activa dos católicos, ao lado de todos os homens de boa vontade, as primeiras linhas da luta pelo Portugal de amanhã: nos partidos, sim, mas também nos sindicatos, nos meios de comunicação social, nos centros de cultura, etc. É palavra de ordem que assumam os seus compromissos temporais, sem excluir uma tomada de posição política definida. Assumam-nos de forma consciente, livre, generosa e responsável. Conformem-se com os princípios da doutrina social da Igreja e com as orientações da hierarquia; mas [...] não se quedem à espera de indicações concretas que a hierarquia não pode nem deve dar.»
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DA NOTA DOUTRINAL da CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ a sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política, 24 de Novembro de 2002, Joseph Card. Ratzinger, Prefeito5
« No plano da militância política concreta, há que ter presente que o carácter contingente de algumas escolhas em matéria social, o facto de muitas vezes serem moralmente possíveis diversas estratégias para realizar ou garantir um mesmo valor substancial de fundo, a possibilidade de interpretar de maneira diferente alguns princípios basilares da teoria política, bem como a complexidade técnica de grande parte dos problemas políticos, explicam o facto de geralmente poder dar-se uma pluralidade de partidos, dentro dos quais os católicos podem escolher a sua militância para exercer – sobretudo através da representação parlamentar – o seu direito-dever na construção da vida civil do seu País6. »

« Todos podem, de facto, contribuir através do voto na eleição dos legisladores e dos governantes e, também de outras formas na definição das orientações políticas e das opções legislativas que, no seu entender, melhor promovam o bem comum7. »

« Assiste-se, ao invés, a tentativas legislativas que, sem se preocuparem com as consequências das mesmas para a existência e o futuro dos povos na formação da cultura e dos comportamentos sociais, visam quebrar a intangibilidade da vida humana. Os católicos, em tal emergência, têm o direito e o dever de intervir, apelando para o sentido mais profundo da vida e para a responsabilidade que todos têm perante a mesma. João Paulo II, na linha do perene ensinamento da Igreja, afirmou repetidas vezes que quantos se encontram directamente empenhados nas esferas da representação legislativa têm a “clara obrigação de se opor” a qualquer lei que represente um atentado à vida humana. Para eles, como para todo o católico, vale a impossibilidade de participar em campanhas de opinião em favor de semelhantes leis, não sendo a ninguém consentido apoiá-las com o próprio voto8. Isso não impede, como ensinou João Paulo II na Carta Encíclica Evangelium vitae sobre a eventualidade de não ser possível evitar ou revogar totalmente uma lei abortista já em vigor ou posta em votação, que “um parlamentar, cuja pessoal oposição absoluta ao aborto seja clara e por todos conhecida, possa licitamente dar o próprio apoio a propostas tendentes a limitar os danos de uma tal lei e a diminuir os seus efeitos negativos no plano da cultura e da moralidade pública”9. »

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De uma exortação particular, a publicar proximamente10, retiramos o seguinte excerto:
«Ao contrário do que, por vezes se ouve, Jesus Cristo, quando enviou os Seus apóstolos em missão não abriu qualquer excepção.
Cristo enviou os apóstolos ao mundo. A política faz parte do mundo. Logo, há óbvias implicações do Evangelho na acção política. Isto não contende, evidentemente, com a pluralidade de opções nem com a independência institucional da Igreja.
Uma coisa, porém, é irrenunciável: se há ilações políticas de Marx, de Weber, por que é que não há-de haver ilações do Evangelho na política? Nem o fracasso da democracia-cristã em alguns países pode constituir inibição porque um fracasso é apelo não necessariamente à dissolução mas à refundação.
O grande problema é que nós, cristãos (sobretudo os cristãos portugueses) eufemizamos muito as consequências que decorrem da fé. A fé não pode ser minimal; ela há ser sempre consequencial: o nosso maior pecado é pois o da inconsistência e o da inconsequência.

Por isso, só posso felicitá-lo pela sua coragem, humildade e coerência. Sabe melhor (do que) eu que vai encontrar escolhos, o maior dos quais será, porventura, o do silenciamento da comunicação social. Aliás, estou persuadido de que o estado do país não se deve só à classe política. Deve-se a esta, sim, mas de uma maneira reflexa. Originariamente, o problema do nosso país não é político, mas cívico.
[...] É importante haver quem se apresente a uma eleição desta natureza não em nome de ideologias ou de interesses, mas em nome de valores e, a fortiori, de valores cristãos. »

P.e João António, autor do blogue Theosfera (http://padrejoaoantonio.blogs.sapo.pt)


AINDA DA MENSAGEM DE S:S. BENTO XVI POR OCASIÃO DO DIA MUNDIAL DA PAZ - 01.01.08: FAMÍLIA HUMANA, COMUNIDADE DE PAZ
«10. O mesmo se diga daquela grande família que é a humanidade no seu todo. De facto a família humana, que hoje aparece ainda mais interligada pelo fenómeno da globalização, além de um alicerce de valores compartilhados tem necessidade também de uma economia que corresponda verdadeiramente às exigências de um bem comum com dimensões planetárias. A referência à família natural revela-se, sob este ponto de vista também, singularmente sugestiva. Entre os indivíduos humanos e entre os povos, é preciso promover relações correctas e sinceras, que permitam a todos colaborarem num plano de paridade e justiça. Ao mesmo tempo, tem-se de trabalhar por uma sábia utilização dos recursos e uma equitativa distribuição da riqueza. De forma particular, as ajudas concedidas aos países pobres devem obedecer a critérios duma lógica económica sã, evitando desperdícios que no fim de contas resultam sobretudo do funcionamento de custosos aparelhos burocráticos. É preciso ter em devida conta também a exigência moral de fazer com que a organização económica não obedeça somente às duras leis do lucro imediato, que se podem revelar desumanas.
11. Uma família vive em paz, se todos os seus componentes se sujeitam a uma norma comum: é esta que impede o individualismo egoísta e que mantém unidos os indivíduos, favorecendo a sua coexistência harmoniosa e laboriosidade para o fim comum. Tal critério, em si óbvio, vale também para as comunidades mais amplas: desde as locais passando pelas nacionais, até à própria comunidade internacional. Para se gozar de paz, há necessidade duma lei comum que ajude a liberdade a ser verdadeiramente tal, e não um arbítrio cego, e que proteja o fraco da prepotência do mais forte. Na família dos povos, verificam-se muitos comportamentos arbitrários, seja dentro dos diversos Estados seja nas relações destes entre si. Além disso, não faltam situações em que o fraco tem de inclinar a cabeça não frente às exigências da justiça mas à força nua e crua de quem possui mais meios do que ele. É preciso repeti-lo: a força há-de ser sempre disciplinada pela lei, e isto mesmo deve acontecer também nas relações entre Estados soberanos.
12. [..]Existirão normas jurídicas para as relações entre as nações que formam a família humana? E, se existem, serão operativas? Eis a resposta: sim, as normas existem, mas para fazer com que sejam verdadeiramente operativas é preciso subir até à norma moral natural como base da norma jurídica; de contrário, esta fica à mercê de frágeis e provisórios consensos.
15. [...] convido todo o homem e toda a mulher a tomarem consciência mais lúcida da sua pertença comum à única família humana e a empenharem-se por que a convivência sobre a terra espelhe cada vez mais esta convicção da qual depende a instauração de uma paz verdadeira e duradoura. Em seguida, convido os crentes a implorarem de Deus, sem se cansar, o grande dom da paz. Os cristãos, por seu lado, sabem que podem confiar-se à intercessão d'Aquela que, sendo Mãe do Filho de Deus encarnado para a salvação da humanidade inteira, é Mãe comum.»

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